O país dá passos importantes rumo à regulamentação da inteligência artificial, exigências relevantes do ponto de vista ético e social, entretanto entraves excessivos podem sufocar a inovação e afastar empreendedores independentes.
O Projeto de Lei 2338/2023 que estabelece o marco legal da Inteligência Artificial no Brasil representa um avanço importante na construção de uma política pública voltada à proteção de direitos fundamentais em meio à transformação digital. No entanto, ao mesmo tempo que propõe salvaguardas legítimas, a nova legislação pode comprometer o dinamismo e a capacidade inovadora de pesquisadores, empresas e desenvolvedores brasileiros.
O projeto estrutura a regulação com base em uma abordagem de risco, categorizando sistemas de inteligência artificial conforme seu grau de impacto potencial. Aplicações classificadas como de “alto risco” ou “risco excessivo” estarão sujeitas a obrigações mais severas, como avaliações de impacto algorítmico, transparência reforçada e supervisão humana contínua. Embora essas exigências sejam relevantes do ponto de vista ético e social, sua operacionalização pode representar um desafio significativo, especialmente para startups e centros de pesquisa que atuam com poucos recursos.
O Brasil tem demonstrado ao longo dos anos uma notável capacidade de inovação tecnológica. Pesquisadores brasileiros são frequentemente reconhecidos em publicações internacionais, e o país lidera diversas iniciativas de tecnologia aberta e soluções de IA aplicadas a problemas sociais. No entanto, a nova lei pode criar um ambiente hostil à experimentação, à pesquisa aplicada e à agilidade que caracteriza o desenvolvimento tecnológico. A imposição de estruturas regulatórias rígidas, sem o devido apoio institucional e financeiro, tende a favorecer grandes corporações, em detrimento de empreendedores e pesquisadores independentes. E ainda mais, impedir a ascensão do Brasil para protagonista junto dos USA, China e Arábia Saudita, para mero coadjuvante consumidor de IA.
Áreas onde vem se destacando justamente por sua flexibilidade e criatividade, como por exemplo através de incentivos do MCTI para pesquisadores, ou de ecossistemas dinâmicos como o Porto Digital, ou ainda as inciativas como as da Prefeitura do Recife que utiliza IA para fornecer serviços a Zero Clique, ao adotar uma legislação que antecipa restrições em nome de uma precaução extrema, o país pode se afastar do modelo de regulação por princípios — que tem favorecido a inovação responsável em ecossistemas como os dos países citados acima.
Desmistificando os receios: é possível regular sem sufocar
Apesar das preocupações legítimas com o uso indevido da inteligência artificial, é importante desmistificar a ideia de que inovação tecnológica e proteção de direitos fundamentais são caminhos opostos. A liberdade de criar, experimentar e desenvolver soluções inovadoras não precisa ser sacrificada em nome da segurança e da ética. Ao contrário: uma regulação inteligente pode justamente oferecer segurança jurídica e direcionamento ético que favorecem a inovação sustentável.
Criar um ambiente de confiança é essencial para que startups, universidades e centros de pesquisa possam atuar com ousadia, mas também com responsabilidade. Isso passa por mecanismos ágeis de revisão regulatória, por incentivos à pesquisa de base ética e pela definição clara de parâmetros técnicos que evitem interpretações vagas ou arbitrárias.
O problema não está em regular, mas em como se regula. Quando a regulação é feita com sensibilidade ao contexto nacional e com diálogo entre Estado, sociedade civil e comunidade científica, ela se torna aliada do progresso. Por outro lado, quando é excessivamente prescritiva, burocrática ou desconectada da realidade da inovação no país, pode sufocar talentos, paralisar projetos e afastar investimentos. Talvez a dica fosse tramitar o PL como foi realizado o do Marco Legal das Startups onde a escuta pública delineou uma das leis mais modernas do país.
Um chamado ao equilíbrio
Embora seja essencial proteger os direitos fundamentais diante do avanço das tecnologias inteligentes, é igualmente vital garantir que a legislação brasileira não crie barreiras intransponíveis ao progresso. O desenvolvimento de uma inteligência artificial ética e socialmente responsável exige mais do que normas rígidas: requer fomento à ciência, transparência pública, investimento em formação profissional e incentivos à pesquisa.
O Brasil tem condições de liderar a inovação tecnológica no Sul Global. Mas para isso, sua legislação precisa olhar para o futuro com coragem, equilíbrio e sensibilidade às particularidades do seu ecossistema. A regulação da inteligência artificial deve ser um trampolim — e não um freio — ao desenvolvimento de soluções que tragam mais justiça, eficiência e inclusão para a sociedade brasileira.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

Recifense, economista pela UFPE, Auditor do Tesouro Estadual. Atuou como Executivo de Gestão por Resultados nos Pactos pela Vida, Saúde e Educação do Governador Eduardo Campos. Foi Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, CEO do Porto de Suape, Executivo da Administração Tributária do Estado de Pernambuco. Ainda foi Secretário de Educação do Recife na gestão do Prefeito Geraldo Júlio e atualmente é Diretor-presidente da EMPREL do atual Prefeito do Recife João Campos.