O neoprotecionismo tumultuará as cadeias produtivas globais, mas pode abrir
uma grande oportunidade para as empresas brasileiras de transporte sustentável
O mundo acompanha com um misto de espanto e temor o terremoto na ordem econômica internacional causado pelo governo Trump.
Mas aqueles que conseguem manter a cabeça fria já percebem que o caótico neoprotecionismo americano pode abrir excelentes oportunidades para países como o Brasil e outros.
Penso especialmente no setor que represento: a indústria nacional de ônibus elétricos, que tem todas as condições de tornar-se líder global em transporte público sustentável.
Mas também na indústria de motores elétricos, baterias, inversores, carregadores, chassis e carroceria, sem contar aplicativos e serviços de tecnologia associados às eletromobilidade.
Mais do que nunca, a liderança brasileira em sustentabilidade (tecnológica e ambiental) é um ativo a ser trabalhado intensamente por uma diplomacia comercial inteligente.
A economia e a política internacionais passarão por grandes traumas nos próximos meses e anos, mas as oportunidades estão à vista. Não podemos perdê-las.
Países e regiões prejudicados pelas políticas trumpistas, como Canadá, México e Europa, sem contar as nações africanas privadas dos recursos humanitários da USaid, configuram-se como mercados potenciais para a nova indústria brasileira da eletromobilidade.
Para chegarmos lá, no entanto, será preciso mais ousadia e pragmatismo dos líderes políticos nacionais (leia-se: Executivo e Congresso) e dos formuladores da política externa.
Teremos de reaprender a dialogar em torno dos temas que realmente importam para o futuro do Brasil, sem factoides, sem polarização e sem preconceitos.
Na verdade, isso já começou a acontecer. Depois de 25 anos de negociações estagnadas, Mercosul e União Europeia finalmente fecharam um acordo. Foi no dia 6 de dezembro, exatamente um mês depois da vitória eleitoral de Donald Trump.
No final de março, os governos do Japão, Coreia do Sul e China – adversários históricos entre si – anunciaram as bases de um acordo de livre comércio que dificilmente teria avançado tanto, fosse outro o atual ocupante da Casa Branca.
Aqui mesmo no Brasil, vimos no começo de abril um fenômeno raríssimo e de forte simbolismo: a aprovação no Senado, por unanimidade, e no dia seguinte na Câmara, por votação simbólica, de um projeto de lei que dá plenos poderes ao Executivo para retaliar o tarifaço americano.
O fato é que, diante de um inesperado inimigo comum, governos de diferentes correntes políticas e visões ideológicas descobrem (ou redescobrem) pontos de convergência e se unem para reconfigurar as cadeias globais de produção.
Temos de aproveitar esse momento e nos inserir nessas novas cadeias de valor. Mais do que nunca, temos de saber “vender” a tecnologia nacional e os produtos da indústria brasileira vinculada à descarbonização da economia.
A opção dos Estados Unidos pelo isolamento abre um imenso espaço para novas ideias, novos parceiros e mais ousadia dos governos e empreendedores.
É fundamental que a indústria brasileira vinculada ao transporte sustentável tenha um peso crescente na pauta de exportação do país.
Nesse inédito momento da economia global, é hora de mostrar que a estratégia comercial brasileira não se limita a commodities, produtos agrícolas e etanol. Esses produtos são muito importantes, claro, mas não são os únicos.
A nova indústria brasileira já tem o que mostrar a qualquer mercado. E esse trabalho tem de começar imediatamente.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade da autora, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities.
