Como o experimento da fenda dupla deu ideia para melhorar o processo estatístico da pesquisa sobe e desce em transportes
No passado, a obtenção dos dados de transporte era um grande desafio para os sistemas de transporte público. As informações eram coletadas manualmente por meio de contagens físicas, entrevistas com passageiros e estimativas baseadas na ocupação visual, o que frequentemente resultava em dados imprecisos e inconsistentes. Essas limitações dificultavam a tomada de decisões estratégicas, como o ajuste de itinerários e a alocação de frota, resultando em ineficiências operacionais e insatisfação dos usuários. Com os avanços tecnológicos, especialmente a introdução de sistemas de bilhetagem eletrônica e metodologias de análise avançada, tornou-se possível coletar e processar grandes volumes de dados de forma automatizada. Essa evolução melhorou o planejamento, mas o método tradicional de encadear viagens e expandir a amostra apresenta muitos ruídos e não traz confiança para muitas decisões necessárias.
O time de dados da Bus2 buscou na experiencia prévia e na academia as melhores práticas para resolver especificamente o detalhamento de cada viagem. Um dos objetivos era chegar em uma tabela sobe desce por linha, tipo de dia e horário específico da viagem com o comportamento médio realizado. Essa tabela iria permitir saber o embarque e desembarque em cada um dos pontos, e consequentemente a ocupação da linha em toda a sua extensão. Para além de identificar o trecho crítico de cada linha, e ocupação máxima, a sobe desce permitiria avançar nos conceitos de indução e otimização operacional.
O método consiste em algumas etapas tradicionais e uma pitada criativa:
A primeira etapa consiste em corrigir a validação de embarque para diminuir erro do encadeamento de viagem. Como muitos passageiros só fazem sua validação no momento de descer, é preciso usar um método estatístico para que essas validações já sejam consideradas desce.
A segunda etapa é o famoso encadeamento de viagens. Neste método basta seguir os IDs dos cartões para determinar que a validação subsequente será o desembarque da validação anterior.
Muitas empresas e órgãos gestores acabam por expandir a amostra com base apenas nessas duas primeiras etapas, sem considerar algumas variáveis adicionais: viagens que são pagas em dinheiro, só possuem uma validação no dia e/ou encadeamentos impossíveis de serem realizados (por exemplo, em viagens onde as duas validações não estão em uma área de influência da linha de origem. Isto pode ocorrer quando o passageiro usou uma carona ou outro modo de transporte para uma viagem intermediária entre as duas validações).
Para resolver essas questões, criamos uma terceira etapa onde é estabelecido o padrão comportamental de cada ID de cartão cativo e/ou com rotina, desta forma é possível estimar embarques ou desembarque de algumas dessas validações que ficariam de fora da amostra.
Para abordar nosso desafio, buscamos inspiração no experimento da fenda dupla, um dos experimentos mais fascinantes da física quântica. Nele é demonstrado como a observação afeta o comportamento de partículas em escala microscópica. Quando elétrons ou fótons passam por duas fendas, eles se comportam como ondas, formando padrões de interferência em um anteparo. No entanto, ao serem observados, comportam-se como partículas, alterando o padrão. Esse experimento evidencia a dualidade onda-partícula e mostra como a medição influencia o estado de um sistema.
A partir dessa premissa, o time de dados da Bus2 estabeleceu o que chamamos de “Viagem Espelho”. O método consiste em analisar a demanda de cada viagem de todas as linhas e identificar o padrão de cada uma delas. Desta forma, são consideradas viagens espelhos aquelas onde o volume de passageiros em sentidos opostos é semelhante para a viagem ou trecho em questão. Assim, é atribuída uma probabilidade de desce no sobe faltante de cada viagem, com base no sobe da sua viagem espelho. Ainda que se tenham outros elementos, como viagens virtuais (quando existem integrações físicas no sistema), o resultado final da sobe desce se torna a soma de todos os métodos anteriores, onde para cada sobe do sistema é calculada a maior probabilidade no desce de cada um deles.
A conexão entre esses dois conceitos pode ser explorada através da ideia de interferência e observação. Assim como na experiência da fenda dupla, onde a observação altera o comportamento do sistema quântico, no método Bus2 a medição e estimativa do movimento “sobe-desce” são influenciadas pela presença de uma referência, a viagem espelho. A ideia de um padrão refletido funciona como um “observador” que permite aferir o desempenho e corrigir eventuais desvios.
Outro ponto de convergência entre os conceitos está na noção de superposição. No contexto quântico, as partículas podem existir em múltiplos estados até serem medidas, enquanto no método, diferentes estados de movimento são considerados simultaneamente, permitindo ajustes dinâmicos com base na resposta do sistema.
Em conclusão, embora a experiência da fenda dupla e o método Bus2 operem em contextos distintos, ambos compartilham princípios fundamentais de medição e influência da observação, demonstrando como conceitos quânticos podem ter aplicações práticas em sistemas mecânicos e situações do cotidiano, como o transporte coletivo.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

Mestre em transportes pela UFMG, com mais de 15 anos na área tendo atuado em transportes em duas copas do mundo e duas olimpíadas, sendo as duas últimas posições em eventos como consultor do COI e CONMEBOL. Sócio de uma consultoria tradicional de transportes (PLANUM) e sócio de uma startup de inovação de mobilidade (Bus2). Atualmente trata mais de 1 bilhão de registros por mês entre dados de planejamento, AVL, SBE e outros, independente de formato e fornecedores.