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“É PRECISO IR ALÉM DA IDEIA ORIGINAL DE CIDADE INTELIGENTE”, DIZ PROFESSOR DO MIT

Em entrevista exclusiva à EXAME, Kent Larson falou sobre impacto da tecnologia para resolver problemas urbanos e plano de lançar laboratório no Brasil

É preciso ir além da visão tradicional sobre o que seria uma cidade inteligente. Essa é a principal ideia defendida por Kent Larson, professor do MIT, em uma entrevista exclusiva à EXAME. O pesquisador, referência em estudos de arquitetura e urbanismo, afirma que o uso de novas tecnologias no espaço urbano deve ser incentivado, mas é preciso pensar nas melhores formas de usá-las.

Larson virá ao Brasil no final de outubro para participar do evento Semana de Inovação 2024, promovido pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública). E, durante a sua passagem, pretende avançar com a ideia de implementar uma unidade do MIT City Science Lab no Brasil para pesquisar soluções de urbanização específicas para a realidade brasileira.

Para o pesquisador, é importante entender que “a visão clássica de cidade inteligente é de otimizar, sem contestar o modelo atual, por meio da tecnologia. Por exemplo, é um modelo que defende usar sensores e semáforos inteligentes para reduzir o trânsito, mas sem pensar em um jeito de nos livrarmos do próprio trânsito”.

Essa visão de cidade inteligente é muito limitada e técnica. Além disso, virou um instrumento de marketing que as empresas usam para vender produtos para as cidades. É algo que precisamos superar”, defende.

Um novo tipo de cidade inteligente

Ao ser questionado sobre sua visão para cidades inteligentes, Larson diz que é preciso, primeiro, voltar para o passado. Mais especificamente, em um período anterior à Revolução Industrial, quando “as cidades eram bem compactas, com poucos bairros. As pessoas trabalhavam, se divertiam, compravam, viviam dentro desses bairros compactos”.

“Tudo mudou com o carro, a abordagem ocidental para o zoneamento e as cadeias de suprimento internacionais. Foi um modelo estabelecido pelas construtoras, e as coisas começaram a ficar fragmentadas, com as cidades divididas em uma zona comercial, industrial, residencial. A ideia era conectar tudo via carros e ter vários estacionamentos espalhados pela cidade”, diz, citando Brasília como exemplo do modelo.

O professor comenta que essa visão era o “futuro” imaginado no anos 1950 e 1960, mas que, hoje “poucas pessoas pensam nisso como o futuro”. Por isso, ele acredita que a chave está em “recuperar o melhor do que foi perdido” no modelo anterior, em especial “os laços sociais fortes, o acesso aos serviços a nível local” e combinar esses elementos com o melhor do modelo atual, usando a tecnologia para resolver problemas como de saneamento e moradia.

a ele, o movimento seria um retorno ao “padrão básico de povoamento por comunidades, mas tirando vantagem de tudo que é positivo, novo e poderoso que ganhamos nas últimas décadas. Hoje, temos grandes quantidades de dados, a IA generativa, novas formas de produzir energia e comida, processar lixo, filtrar a água”.

E, apesar de rejeitar a visão tradicional sobre cidades inteligentes, Larson reconhece o papel importante da tecnologia nesse processo. Para ele, é preciso primeiro entender as condições atuais de uma comunidade, como a quantidade de pessoas que se deslocam diariamente para ir ao trabalho, o acesso a amenidades como parques e museus, os tipos de moradias existentes e outros elementos antes de pensar em qual tecnologia aplicar.

“É preciso coletar dados, interpretá-los e ver novas formas de aproveitá-los. Já estamos usando os LLMs [grandes modelos de linguagem, por trás das IAs generativas] para ajudar nesse processo, estruturando os dados que as cidades possuem e que estão desorganizados”, explica.

A partir disso, há um processo de reunir a comunidade e discutir “não se os prédios estão muito altos e coisas do tipo, mas sim que tipo de futuro, trabalhos, moradias, ruas, recurso, querem”, onde o professor vê grande potencial de intersecção com tecnologias como realidade virtual e aumentada para dar mais concretude a essas visões.

Por fim, é preciso levar essa visão de futuro criada para os governos, criando projetos “mais concretos e detalhados” e com sistemas de incentivos e correções para a sua realização. “É onde podemos usar blockchain e contratos inteligentes, sem precisar ter um burocrata verificando tudo, é um grande uso”, pontua.

Mudanças climáticas e preparação para o futuro

Um ponto que o professor do MIT considera crucial ao pensar as cidades do futuro é o combate às mudanças climáticas, cujos efeitos se tornam cada vez mais próximos e frequentes nos ambientes urbanos. Mas, novamente, ele acredita que é preciso repensar as estratégias para lidar com o problema.

“A abordagem tradicional de cidade inteligente diria que você precisa achar a tecnologia que solucionaria as mudanças climáticas, então você substituiria todos os veículos por elétricos, colocaria painéis solares nos prédios e coisas do tipo e isso vai salvar o meio ambiente”, diz.

Para ele, é preciso pensar que “mais de 70% das emissões de poluentes vêm das cidades. E a maior parte vêm das emissões de veículos que transportam grandes quantidades de pessoas todos os dias, as levam da casa para o trabalho e vice-versa. Precisamos olhar para as raízes do problema e entender como reduzir drasticamente essas emissões”.

Larson ressalta que a solução “fundamentalmente envolve colocar os locais de trabalhos perto da casa das pessoas, colocar amenidades próximas, produzir coisas localmente, ter lugares menores para viver mas capazes de desempenhar várias funções. É ter um uso hipereficiente da terra”.

Esse movimento, que depende da aplicação correta de tecnologias, pode ir além de simplesmente reduzir emissões: “A performance econômica e social da cidade também aumenta, então consegue ter laços sociais maiores, mais segurança, equidade, moradias a preços acessíveis, maiores oportunidades de inovação e empreendedorismo. É um cenário de vitória nas três frentes.

Para auxiliar nesse processo, o MIT já possui o City Science Lab, dedicado a estudos sobre soluções urbanísticas em diferentes países. Agora, Larson quer trazer o projeto para a América Latina, com laboratórios associados no Brasil. No momento, o México e o Chile já contam com laboratórios do tipo.

“Eu sempre quis ter um laboratório no Brasil, há seis anos, quando fui para o Brasil pela última vez, isso não era possível, porque precisa ter as pessoas ideais, a organização, financiamento, apoio do governo local, mas agora acho que temos uma chance de conseguir”, explica.

A princípio, Larson e sua equipe de pesquisadores brasileiros associados estuda o potencial de criação de um laboratório em Belém, no Pará, onde o professor vê potencial para “juntar o melhor do passado e do futuro, combinando as tecnologias com a capacidade de viver em harmonia com a natureza, oferecendo oportunidades econômicas e qualidade de vida. O laboratório busca ajudar a entender como chegaremos nisso”.

Fonte: Exame

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