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MOBILIDADE NO DIVÃ: PORQUE O PLANEJAMENTO URBANO FOCADO NOS MODOS SUSTENTÁVEIS DE TRANSPORTE PARECE SESSÃO COM PSICÓLOGO

Danaê Fernandes
Danaê Fernandes
Urbanista, especialista em Engenharia de Tráfego, Planejamento e Gestão de Trânsito, com MBA em Gestão Pública. Fundadora da empresa URBdata®, coordena o curso de Especialização em Mobilidade Urbana Sustentável da Unyleya, preside o Instituto URBbem, é Secretária Municipal de Segurança Pública e Trânsito em Cambé/PR

Mesmo sabendo das soluções, o caminho rumo à transformação é bloqueado, não por falta de conhecimento ou de recursos, mas por barreiras estruturais, alimentadas por interesses econômicos enraizados e a apatia política.

Os especialistas em mobilidade urbana têm respostas claras para tornar nossas cidades mais eficientes, saudáveis e sustentáveis. Defendemos com veemência a priorização dos modos ativos de transporte – a pé e bicicleta – conectados a sistemas de transporte coletivo bem estruturados e acessíveis.

Essas soluções não são apenas técnicas; são amparadas por estudos robustos que mostram seus impactos positivos na saúde pública, na redução de emissões de carbono e na melhoria da qualidade de vida urbana. 

No entanto, com uma frequência desconcertante, esbarramos no mesmo entrave: a resistência política. Esse obstáculo, invisível, mas incrivelmente sólido, frustra e freia qualquer progresso significativo.

Essa experiência é comum na psicoterapia, quando dizemos: “Estou passando por isso novamente, nesse processo automático, o tal padrão repetitivo de comportamento”. 

No caso dos especialistas em mobilidade, é quase como se as cidades, em seu processo político e econômico, repetissem um ciclo vicioso de inação. Mesmo sabendo das soluções, o caminho rumo à transformação é bloqueado, não por falta de conhecimento ou de recursos, mas por barreiras estruturais, alimentadas por interesses econômicos enraizados e a apatia política.

A questão torna-se ainda mais intrigante quando consideramos o ciclo de esperança e desilusão vivido por esses profissionais. Participam de conferências, elaboram planos, propõem soluções em reuniões públicas e privadas, apenas para ver muitas de suas ideias sendo gradualmente desconsideradas ou descaracterizadas pela máquina política. A frustração não vem da falta de ideias ou da ineficácia das propostas, mas sim do fato de que as mudanças necessárias parecem eternamente ao alcance e, ao mesmo tempo, impossíveis de serem implementadas.

Assim como na terapia, onde o paciente precisa confrontar as raízes de seus padrões automáticos, os especialistas em mobilidade urbana enfrentam uma espécie de espelho coletivo. As cidades, com suas estruturas permeadas de poder e influência, resistem à mudança, mesmo quando essa mudança é claramente o caminho lógico e necessário para um futuro mais próspero. 

Tal como o terapeuta que observa seu paciente repetir padrões destrutivos, os urbanistas assistem às cidades optarem, repetidamente, por soluções que mantêm os mesmos padrões insustentáveis de mobilidade, ampliando as vagas de estacionamento gratuito, diminuindo a frequência de linhas de ônibus, apagando ciclofaixas.

Da mesma forma que a terapia é um processo de repetição e, eventualmente, de transformação, o trabalho dos especialistas em mobilidade urbana é contínuo e resiliente. Estejamos cientes das barreiras e das dinâmicas de poder que enfrentamos, sabendo que cada esforço para promover uma cidade mais caminhável e ciclável, com transportes coletivos eficientes, planta uma semente de mudança.

A comparação com a psicoterapia nos ajuda a entender o papel dos especialistas em mobilidade urbana dentro de um processo que, por vezes, é lento e frustrante, mas que também promove saltos nos patamares da consciência e pode ser incrivelmente transformador para as cidades.

Afinal, o que está em jogo não é apenas a melhoria da mobilidade urbana, mas a forma com que construímos nossas cidades e a qualidade de vida de todos que nelas habitam. Trata-se de mudanças, de alterar as lógicas vigentes, de oferecer novas possibilidades, de agir com ousadia. 

Que possamos manter a coragem e produzir propostas mais ousadas, superando os enfrentamentos que virão, sem desistir da possibilidade de uma cidade mais saudável, ainda que o caminho exija novas habilidades e nos tire totalmente da nossa zona de conforto.

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities

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