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MOBILIDADE AÉREA URBANA, CIDADES E CIDADES INTELIGENTES

O transporte aéreo urbano não é um conceito novo. O uso de veículos voadores em áreas urbanas vem desde a década de 40 (mais precisamente após a Segunda Guerra), através dos helicópteros, aeronaves de asa rotativa com operações de decolagem e pouso verticais – VTOL. Os serviços oferecidos eram de transporte sob demanda (uma modalidade de táxi aéreo, mas com helicópteros) e se espalharam por várias cidades e regiões metropolitanas até o final da década de 70. Problemas com a segurança operacional, poluição do ar, ruído e o impacto das crises do petróleo nos custos operacionais acabaram por paralisar esses serviços. O que observa desde então é que o transporte urbano de passageiros com helicópteros existe como um nicho de mercado em regime de fretamento em cidades como São Paulo e Cidade do México, onde as condições de circulação no solo estão longe do aceitável.

A recente revolução tecnológica, com a disseminação do uso de drones, em um cenário de constante agravamento da circulação nas grandes cidades do mundo, criou condições para “revisitar” o emprego de modais aéreos nos deslocamentos urbanos. O uso de veículos silenciosos e eficientes para realizar as operações de pouso e decolagem verticais com propulsão elétrica (eVTOL), apoiando deslocamentos urbanos, gerou o conceito de Mobilidade Aérea Urbana (Urban Air Mobility – UAM).

Mobilidade Aérea Urbana (UAM) se tornou um tema emergente que ganhou muita atenção e interesse por parte da academia e da indústria. O próprio nome já remete a um campo de pesquisa e inovação tecnológica que tem sido central no urbanismo contemporâneo – a mobilidade urbana. Como o desenvolvimento de novas tecnologias de mobilidade está sendo estimulado pela crescente pressão do congestionamento de tráfego em grandes cidades, start-ups e empresas estabelecidas dos setores de aviação e automotivo passaram a atuar na área de UAM, com o objetivo de fornecer soluções competitivas para um “novo mercado”.

O entendimento comum encontrado na literatura técnica e comercial sobre o assunto é que mobilidade aérea urbana é um sistema de transporte aéreo seguro e eficiente que usará aeronaves altamente automatizadas que operarão e transportarão passageiros ou cargas em altitudes mais baixas em áreas urbanas e suburbanas. UAM será composta por um ecossistema que considera a evolução e a segurança da aeronave, a estrutura de operação, o acesso ao espaço aéreo, o desenvolvimento da infraestrutura e o envolvimento da comunidade.

Espera-se que a Mobilidade Aérea Urbana, sendo uma tecnologia disruptiva, contribua para uma redefinição da mobilidade através de tecnologias inovadoras, uma vez que abrange um conjunto diversificado de soluções, incluindo aeronaves de pouso e decolagem vertical com propulsão ambientalmente mais sustentável e sistemas de aeronaves não tripuladas, com o objetivo geral de melhorar a acessibilidade e promover a sustentabilidade.

Quando se aborda a questão da introdução dos serviços de Mobilidade Aérea Urbana (UAM), as cidades são apresentadas como um dos stakeholders do ecossistema. Porém, mais que uma parte interessada, a cidade tem de ter protagonismo no planejamento e gestão dos serviços de UAM.

Isto porque UAM envolve, além da tecnologia da aviação, o planejamento da mobilidade e o desenvolvimento urbano. Como consequência desse fato os profissionais de planejamento das cidades têm a tarefa adicional de incluir UAM (infraestrutura e serviços) no planejamento da mobilidade urbana. As cidades definirão os serviços de UAM com base nas necessidades dos cidadãos, incentivando o envolvimento e a aceitação do público, para garantir um ecossistema UAM responsável e sustentável.

Concretamente, o papel das cidades na mobilidade aérea urbana e seus serviços inovadores deve incluir:

  1. Definir as características dos serviços UAM: As cidades estão em melhor posição para determinar as necessidades e preferências dos seus cidadãos e demais stakeholders e para definir serviços de UAM em conformidade com estas necessidades e preferências. As cidades podem ainda definir padrões e critérios para operações dos serviços de UAM, como segurança, ruído, emissões e acessibilidade;
  2. Integrar UAM no planejamento da mobilidade urbana sustentável: As cidades devem considerar os serviços de UAM como um modo de transporte complementar que pode contribuir para os objetivos de mobilidade inteligente e sustentável. UAM é um modo de nicho, não de massa, mas sua integração na mobilidade urbana vai gerar ganhos para todo o ecossistema;
  3. Colaborar com as partes interessadas: As cidades devem envolver-se com todos os integrantes da cadeia de produção dos serviços de UAM, como a indústria, os reguladores, os investigadores e a sociedade civil, na busca de sinergias e como parte integrante das duas tarefas anteriores;
  4. Inovar e experimentar soluções UAM: As cidades devem explorar o potencial e os desafios dos UAM e aprender com as experiências de cidades pioneiras que estiveram envolvidas em projetos UAM. Esse processo de inovação e experimentação vai gerar oportunidades que poderão ser empregadas para a inovação e o desenvolvimento urbano.

O desenvolvimento pleno destas tarefas, condição necessária para o êxito da incorporação do modo aéreo no ecossistema da mobilidade urbana, requer o estabelecimento de uma governança centrada nas cidades. Neste particular, lembro dos princípios de governança propostos pela “Comunidade de Cidades da Iniciativa UAM”, da União Europeia (https://civitas.eu/resources/urban-air-mobility-uam-documents ):

  1. As cidades têm um papel decisivo permitindo a operação de serviços UAM de interesse público (por exemplo, transporte público, entregas postais, atendimento a emergência e serviços de translado em acidentes) em alinhamento com as necessidades e preferências dos seus cidadãos;
  2. As cidades têm um papel decisivo para estabelecer até que ponto as operações dos serviços de UAM podem ser realizadas em seus territórios;
  3. As cidades têm um papel decisivo para definir onde e quando as operações de voo UAM serão permitidas nos seu território;
  4. As cidades têm um papel decisivo onde a infraestrutura (locais de decolagem e pouso; estruturas de manutenção) será construída e de que forma será explorada;
  5. A gestão das infrações ao uso do espaço público por operações de UAM continua a ser uma tarefa local.

Penso ainda que a execução dessas atribuições pelas cidades, dentro do contexto de governança, deva considerar ao menos quatro preocupações: A primeira é a importância da aceitação social. Não adianta pensar em serviços ou integração com demais modos se não houver assimilação da nova tecnologia pela sociedade. Inovações em um quadro de envolvimento público exigem que sejam fornecidas informações sobre suas implicações e como afetarão a sociedade.

Existem vários aspectos que devem ser abordados para facilitar a aceitação social de tecnologias inovadoras e de infraestruturas de apoio no ecossistema da mobilidade aérea, como: segurança, ruído, impacto ambiental e privacidade. Tudo feito sob o mantra “transparência é fundamental”.

Uma segunda preocupação é com a interação com a sociedade. Qualquer que seja o tamanho da cidade, conduzir o processo de aceitação social ou da definição dos novos serviços tem, obrigatoriamente, de passar por uma etapa de interlocução com a sociedade. Associação Comercial e Industrial, clubes de serviço, entidades classistas, todos os que demandam mobilidade urbana devem ser, de uma forma ou outra, ouvidos, quer seja por enquetes presenciais, quer seja através de questionários on line.

Tendo sido iniciadas as operações de UAM deve haver um esforço para divulgar os ganhos com a mobilidade aérea, como o menor tempo para atendimento a emergências ou a redução dos níveis de ruído. Uma possibilidade é o uso dos mesmos canais de interlocução utilizados quando da prospecção para aceitação social.

A eventual perda de foco na seleção e priorização dos serviços de UAM é minha terceira preocupação. Uma prospecção imperfeita, o excesso de otimismo com a nova tecnologia, ou mesmo uma venda inadequada da UAM para a sociedade (tipo “vai acabar com os congestionamentos”) compromete o pleno desenvolvimento e absorção da nova tecnologia.

Tarefa duplamente árdua, pois envolve não só a seleção dos serviços de UAM mas também o sequenciamento da implantação de tais serviços. Muitos locais têm adotado a estratégia de iniciar operações de UAM com os serviços de remoção médica e atendimento a emergências. Em todas as pesquisas de aceitação pública da mobilidade são os serviços que a sociedade tem a maior percepção de benefício. Pode parecer uma estratégia de baixo risco, mas deve ser avaliada com muito cuidado pois uma frustação de expectativas compromete todo o processo de implantação dos serviços.

Por fim, mas não menos importante, é a integração da UAM no planejamento da mobilidade das cidades. O Brasil dispõe de uma Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587 / 2012) objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas nas cidades. Um dos mais importantes instrumentos previstos na Lei 12.587 é o Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob), que orienta a política de mobilidade das cidades. Sem a inclusão da mobilidade aérea no PlanMob fica comprometido um dos pilares da mobilidade – a integração do planejamento do transporte com o planejamento do uso do solo, e a mobilidade aérea não se desenvolverá de forma a atender as necessidades da sociedade.

E como ficam todas estas ponderações no caso das cidades inteligentes? Uma cidade inteligente é aquela comprometida com o desenvolvimento urbano e a transformação digital sustentáveis. Faz uso intensivo da tecnologia para promover o letramento digital, a governança e a gestão. E, como já exposto anteriormente, a Mobilidade Aérea Urbana é uma tecnologia disruptiva, que vai além da tecnologia da aviação, envolvendo planejamento de mobilidade e desenvolvimento urbano. Há então uma sinergia natural entre cidade inteligente e UAM. Por ser uma cidade conectada, a interlocução com a sociedade é muito mais ampla e consistente. Também a seleção, sequenciamento, implantação e acompanhamento dos serviços e da infraestrutura de UAM são processos mais eficientes. E a propulsão elétrica dos veículos de mobilidade aérea vai ao encontro do compromisso da sustentabilidade ambiental destas cidades. Resumindo, a cidade inteligente é o ambiente ideal para a implantação da mobilidade aérea urbana.

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