Transporte é direito constitucional: gratuito, pode produzir profundas transformações nas cidades. Isso exige outro modelo de licitação: transparente, sem monopólios e com fiscalização pública. Primeiro passo: construir um Sistema Único de Mobilidade
Tanto Tarifa Zero-T0 como transporte por demanda (mais conhecido por transporte operado por motoristas individuais sem vínculo empregatício que se cadastram em aplicativos, via internet, de domínio estrangeiro) têm gerado muitas opiniões divergentes, complementares, concorrentes nos mais variados setores. Defensores e apoiadores em ambos os temas têm representatividade tanto junto às empresas de ônibus que operam os transportes urbanos, aplicativos, motoristas, gestores públicos e usuários. A opinião pública vai normalmente sendo formada pelas versões trazidas pela mídia que tiver maior alcance e maior poder de convencimento pela repetitividade de versão em vários de seus programas que sempre apresentarão somente aqueles que representam a opinião do patrocinador dos programas, enfim, não há consenso sobre vantagens e desvantagens para quem e de que forma.
Os motivos apresentados pelos campos divergentes nem sempre podem ser comparados, pois na maioria das vezes trazem em si, perspectivas diferenciadas. Nesse contexto, vou tentar trazer reflexões sobre esses dois temas aparentemente diversos, mas que estão inseridos em uma questão essencial para a qualidade de vida nas cidades: mobilidade urbana sustentável e espaço público compartilhado igualitariamente e acessível a todas às pessoas.
O que seria Tarifa Zero?
Nada mais que o nome dado à transformação, em equivalência, do Transporte Público aos demais direitos sociais (oferecidos como serviços públicos) previstos no artigo 6º da Constituição Federal (transporte foi incluído somente em 2015, pela PEC apresentada pela Deputada Federal Luiza Erundina – PSOL e aprovada pelo Congresso Nacional):
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
O que isso significa? Que cada brasileiro para acessar cada um desses direitos sociais, em forma de serviços públicos, não precisa pagar no ato de seu exercício, pois cada um deles já está incluído no Orçamento Público como obrigação do Poder Público (integração entre União, estados e municípios). Exemplos práticos de acesso a esses direitos sociais sem pagamento no ato da utilização dos serviços:
• EDUCAÇÃO: ensino público fundamental, médio e universitário (ainda não estão disponíveis a todos os brasileiros). Ninguém cobra para entrar na sala de aula ou para obter o diploma.
• LAZER: em espaço público como parques, praias, eventos, etc.
• SEGURANÇA: Registrar um Boletim de Ocorrência, denúncia 190, bombeiros, etc.
• SAÚDE: Consultas, exames, internações, cirurgias na rede pública de saúde, Samu, transplantes, etc.
E aqueles Direitos Sociais em estágio de execução ainda muito deficitário no país:
• ALIMENTAÇÃO, MORADIA, ASSISTÊNCIA AOS DESAMPARADOS: Por meio de políticas públicas as camadas da população que estão em estado de miséria social têm assistência do Estado.
• TRABALHO: O Estado normatiza e direciona sua política para garantir o direito ao trabalho a todos (ainda em estágio deficitário).
• PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA: há o amparo disponibilizado às mães e crianças em uma rede transversal e capilarizada de assistência (saúde, assistência social, segurança, educação incluindo creches, etc.)
Qual o significado essencial do Transporte ter sido incluído como direito social na Constituição?
Mesmo com sua inserção recente (2015, pela PEC proposta pela Deputada Luiza Erundina do PSOL) o Transporte Público ainda continua sendo na prática considerado só serviço essencial, mas é direito social. Inserir na Constituição foi essencial, mas ainda significa “só estar no papel”; foi um primeiro passo político importantíssimo que deve ter sua sequência burocrática legal: “regulamentação via uma Lei Federal estabeleça como será disponibilizado à população”.
Um outro importante avanço político que só terá início com a compreensão popular dessa etapa para que a Tarifa Zero possa começar a ser realidade em todo o país. O mais importante é que o transporte público como direito social intermediário de acesso real físico aos demais direitos sociais disponibilizados como serviços públicos; e deve, por isso, estar acessível de maneira estrutural e gratuita no ato de sua utilização em todo o território nacional. Será com o deslocamento das pessoas proporcionado – sem tarifa – que o acesso aos equipamentos públicos relativos aos demais direitos sociais constitucionais poderão ser universalizados.
Nenhum desses direitos sociais é gratuito, todos são custeados como retorno dos impostos recolhidos, é obrigação do Estado Público cumprir a Constituição, portanto, disponibilizar o acesso universalizado aos direitos é cumprir o estabelecido para um país realmente democrático com desigualdades econômicas tão acentuadas. Tarifa Zero é mais um exemplo de garantir que todos os direitos sociais estabelecidos no art. 6º sejam realmente acessíveis à população.
A questão mais debatida entre os opositores é de onde virá esse custeio, será com o aumento de impostos? Para outros, a crítica é sobre o eventual comprometimento da qualidade do que já existe (que nunca foi boa) com a seguinte alegação: “Mais gente irá usar o sistema de transporte público e isso vai danificar e comprometer o sistema atual!”.
Devemos nos lembrar que antes da Constituição de 1988, só podia ser consultado por um médico no INPS pessoas que tivessem registro em Carteira Profissional. A saúde não era para todos e prejudicava justamente a parcela mais fragilizada pela miséria. Também era comum antes do voto universal o direito ser vetado para pessoas analfabetas, pobres sem fazendas e mulheres, por serem considerados incapazes.
Enfim, a cada avanço na estrutura social que seja direcionado à incorporação de mais pessoas com os mesmos direitos de acesso às suas cidades, aos seus direitos sociais, o campo reacionário e resistente irá ter inúmeros argumentos para ser contra, mas na verdade o que ocorre mesmo é a diminuição de seus lucros por meio da exploração intensa da comercialização desses serviços por meio das tarifas.
Quebras de paradigmas no Transporte Público não é novidade
Em 2001, quando implantamos em São Paulo (fui diretora de transporte no primeiro ano da gestão Marta Suplicy, na Secretaria de Carlos Zarattini) o Bilhete Único-BU como primeira experiência no Brasil de integração tarifária que possibilitava que o pagamento fosse pela viagem feita e não pelo número de veículos necessários para fazê-la, a parte que lucrava com a cobrança por entrada no veículo dizia que o município iria quebrar, que tudo iria ruir e a falência geral ia ser fato (o mesmo em outras gestões que atuei como Campinas e Guarulhos). Atualmente, muitas cidades já têm o BU e nada aconteceu, a não ser mais justa distribuição de renda e oportunidades, pois os moradores de bairros mais longínquos não são sacrificados por terem que tomar mais de uma condução para seu deslocamento e, por isso, apartados de chances no mercado de trabalho e consequentemente de consolidação da pobreza universal da qual eram vítimas.
Algo muito importante antes de dizer de onde virá o dinheiro do Estado para cobrir esse investimento no Transporte como Direito Social é questionar o quanto custa, de fato, o sistema e se a forma de contratação como a atual poderia ser revista, modernizada e otimizada com mais transparência econômica e operacional para a população.
Origem da Planilha que define a Tarifa no Sistema de Transporte Público
No Brasil, houve um grupo durante a Ditadura Militar criado pelo Decreto nº 57.003, de 11/10/65, na forma de Grupo Executivo para a Integração da Política de Transportes com representante de quatro ministérios e que, em 1973, foi transformado para Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes com a mesma sigla GEIPOT.
A planilha tarifária que estruturaram naquela época permanece até nossos dias. Desde então houve muitos avanços tecnológicos para os cálculos, discretas modificações na composição final da tarifa que agora é a tarifa cobrada somada com a tarifa subsidiada. Porém nenhuma transformação conceitual que impacte de fato na forma como são considerados os custos, foi modificada.
Considerações sobre o modelo atual básico de contratação licitatória do setor
Licitações longevas (décadas) que perpetuam as mesmas famílias de empresários do setor de transporte em todas as cidades, estados, regiões, cuja característica básica é a carência de transparência, má qualidade nos serviços prestados, usuários apartados da avaliação da qualidade, interesse público preterido aos interesses específicos do empresariado. Algumas informações sobre as práticas adotadas na maior parte dos municípios brasileiros.
1) Quem faz a cobrança das tarifas também faz a gestão financeira do setor. Não são as prefeituras que pagam os contratados, mas as próprias empresas que o operam emitem relatórios mensais operacionais (com totais de viagens, passageiros transportados, quilometragem rodada, etc.) e financeiros (valor arrecadado) às prefeituras.
a) Como garantir a qualidade na prestação de serviço se as empresas recebem adiantado, antes mesmo de fazerem as viagens? Seja pelo Vale Transporte ou Recarga de Bilhetes Eletrônicos os usuários pagam antes de usar.
b) Alguns mandatos na prefeitura trouxeram para si essa gestão financeira, com pagamento às empresas, somente mediante comprovada realização das viagens sem atraso, por meio das ordens de serviço criadas para cada viagem. Se não cumpriu ou atrasou, era feita uma punição financeira (como Erundina em São Paulo e Bittar em Campinas nos anos 90). Com muitos ônibus da frota com GPS, em nossa era tecnológica, esse monitoramento é muito fácil de ser feito pela Prefeitura, que não o faz, entregando tudo para os ganhadores da licitação que se incumbem de prestar contas e se auto fiscalizar.
c) O dinheiro pago adiantado tem aplicações financeiras, mas quem fica com esse lucro?
2) Em uma época de capitalismo em que o “mercado quer liberdade” não faz muito sentido que as licitações feitas pelas prefeituras sejam gigantescas, abarcando uma série de serviços do Sistema de Transporte Público que poderiam ser destrinchados em várias licitações menores ampliando a oferta para a concorrência sem necessidade de licitações de, no mínimo,15 anos.
a) A licitação da contratação do transporte público exige do participante possua garagem própria para sua frota de ônibus; esta concentração na cidade induz a um deslocamento vazio (da garagem para os terminais) em excesso. Se estas garagens fossem distribuídas pelas diversas regiões da cidade em terrenos públicos, esse custo operacional do deslocamento vazio iria diminuir muito com a quilometragem diminuída (menor distância entre as garagens e os pontos iniciais das viagens), o patrimônio exigido da empresa seria menor e, portanto, com menor remuneração definitiva para esse item. Além de ampliar a possibilidade de novos concorrentes participarem do certame.
b) Serviços como limpeza, locação da frota de ônibus, contratação de motoristas e fiscalização, gerenciamento dos terminais não precisariam estar embutidos em uma só gigantesca empresa, mas em várias menores especializadas específicas e direcionadas a cada tipo de serviço. Afinal, o que tem limpeza com gestão de uma rede de transporte em comum que precise ser realizado pela mesma empresa? Essas licitações “engessadas”não têm sentido lógico em nossa sociedade de livre concorrência, pois somente empresas já do ramo conseguem participar de novos certames.
c) Há um item nas licitações que se refere à remuneração do capital investido pelos empresários, uma espécie de pagamento de taxa administrativa. Em muitos casos esse percentual sobre o valor total está defasado em relação à realidade praticada entre contratações no setor privado. Com a variação dos índices financeiros, há muitos anos esse valor deixou de ser 12% ao mês, porém em algumas cidades, ninguém atualizou esse percentual, que hoje é muito inferior nas contratações. Uma espécie de repasse automático do dinheiro arrecadado das tarifas para o setor empresarial.
d) Nessa relação contratual, muitas práticas permanecem por estarem atreladas à mentalidade dos anos de chumbo da ditadura e só se impõem pela força política exercida pelo setor sobre o Poder Público, além de tudo acontecer com a ignorância programada total dos usuários. Toda vez que alguma administração tenta modernizar, de fato, essa relação de contrato via licitação, as mídias patrocinadas pelos empresários sempre adotam a versão que interessa a eles e seus patrocinadores – e não à sociedade e usuários.
e) A Lei de Transparência não é aplicada nesse setor pelas prefeituras que nunca disponibilizam de maneira facilitada em seus portais o total de passageiros transportados, as pesquisas realizadas para determinação dos itinerários, o valor arrecadado, a quilometragem realizada, a frota de veículos, enfim, dados operacionais e financeiros sempre são uma caixa-preta e se disponibilizados são sempre de exercícios anteriores. O prefeito deveria impor como condição o acompanhamento em tempo real dos carregamentos financeiros (hoje, a maioria por cartões eletrônicos) e monitoramento das viagens e horários cumpridos. Cada cidadão tem o direito de acompanhar essas informações também.
f) É de competência do Poder Público estabelecer tarifas, mas nesse setor chega a ser uma excrecência que aumentos sejam negociados com o contratado. Cabe a cada prefeito decidir se irá ou não cobrar e como o fará, não compete a uma empresa dizer o que ela quer receber. Mas para isso, precisa haver lisura no processo de averiguação dos custos reais do sistema de transporte nas cidades.
3) O custo do deslocamento de uma linha de ônibus não tem relação alguma com o número de passageiros que ela transporta. Prova disso temos diariamente na solicitação do transporte por aplicativo que jamais pergunta quantos passageiros entrarão no carro, mas apresenta o valor em função da distância percorrida e horário. A planilha atual de cálculo tarifário adotada na quase totalidade das cidades estabelece que os passageiros são custos, quanto maior o número deles maior o custo. Por isso, tanto ódio contra as gratuidades.
Fato é que o deslocamento de um ponto A ao ponto B pode variar e ter a situação mais crítica relacionada ao congestionamento, topografia, questões operacionais do percurso (número de paradas, por exemplo), mas jamais terá relação com o número de passageiros que embarcam e desembarcam.
No período de pandemia o chororô foi geral, por parte dos empresários de ônibus que disseram que a receita, com a queda de passageiros, tinha diminuído e que o prejuízo iria levá-los à falência. Oras, passageiro não é custo? O lucro deveria aumentar, certo? Mas daí o passageiro foi revelado nacionalmente como receita no sistema de Transporte Público. Cobrar por passageiro transportado equivale a cobrar por comissão adicional, quanto mais lotado o ônibus maior será o lucro dos empresários.
Viagens realizadas devem ser contratadas e remuneradas pelas distâncias percorridas (como nos aplicativos) e obviamente nesse caso os custos operacionais indiretos com veículos, profissionais, infraestrutura e etc. calculados de maneira objetiva e justa. Há softwares capazes de predizer a manutenção dos pneus com rodízios programados, troca de óleo e muito mais de maneira eficiente. Tudo isso deve ser gerenciado e acompanhado online pelo contratante e não de forma passiva via relatórios gerenciais dos empresários dados do mês anterior.
Por isso, defendo a quebra da licitação gigante de todo o sistema em licitações menores direcionadas para cada operação.
4) Os ônibus são na maioria montados sobre chassi de caminhões: para entrar, os usuários precisam escalar o veículo! Há tecnologia de ônibus com piso baixo (sem aqueles degraus absurdos) com motor na traseira (a quase totalidade de motorista perde parte da audição em função da exposição continuada ao ruído dos motores) que diminui muito o incômodo aos usuários quanto à poluição sonora.
5) A disponibilização de canais de comunicação efetiva com o usuário não é uma realidade na maioria das cidades. Dessa forma, mesmo que desrespeitados, seguem sendo a parte frágil. Não são feitas pesquisas de avaliação da qualidade do sistema que incluiria inclusive a avaliação de percursos realizados, tratamento dos operadores, pontualidade, conforto, segurança, etc.
Enfim, o enfrentamento a esse monstro que é a permanência de modelos de licitações que garantam que os mesmos que operem, façam a gestão financeira e de fiscalização é tão absurda que quando isso vem à público a maioria nem acredita que seja realidade.
Além dessas questões estruturais, muitas outras podem ser questionadas e revistas no sentido de se aferir realmente o custo do sistema de transporte em uma cidade e não entregar a responsabilidade dessa gestão financeira, operacional e de fiscalização ao mesmo grupo vencedor da licitação gigantesca e milionária.
De onde virá o dinheiro para o custeio da Tarifa Zero?
De onde tirar o dinheiro para custear os gastos reais dos sistemas de transporte público nas cidades? Pois tarifa zero não significa que serão operados por empresas públicas ou que empresários trabalharão de graça, apenas que a estrutura social arcará com o sistema de transporte público, essencial para a economia (movimentação da classe trabalhadora para a produção, comércio e serviços). A infraestrutura da mobilidade urbana nas cidades (sinalização semafórica, viária, fiscalização, reposição de mobiliário público depois dos acidentes, informação, asfalto e etc.) já está incluída na gestão pública sem cobrança individual para todos que usufruem dela.
Em muitos países há a compreensão de que áreas com o sistema de transporte estruturado incrementam o valor imobiliário, de produção e de negócios do entorno (indústrias, comércios e serviços são beneficiados com o metrô, ônibus, trem próximos). Práticas comum de restituição ao Estado do investimento em infraestrutura de mobilidade que volta ao sistema de tarifas de transporte público:
a) No ato de compra e venda do imóvel, valorizado pela área, há um percentual destinado ao transporte.
b) No faturamento mensal ou anual de estabelecimentos comerciais, industriais ou de serviços, também um pequeno percentual é cobrado para o transporte (assim como foi incorporado a cobrança da taxa da remoção de lixo em muitas cidades).
Outro setor que deveria ser acionado é o das indústrias de automóveis, assim como as seguradoras de automóveis que deveriam repassar um pequeno percentual anual para um Fundo Nacional para Mobilidade Urbana a ser criado.
Na França, Alemanha, muitos outros países europeus e em vários estados dos EUA o subsídio da tarifa do transporte é feito pela sociedade há décadas, chegando à 50% do valor total da tarifa. Muitas cidades pelo mundo, nos últimos anos, adotam a Tarifa Zero para incentivar o uso do transporte coletivo como medida mitigadora da poluição ambiental produzida pelos emissão de gases dos automóveis, caminhões, etc.
Além destes, os valores das multas e outros tantos já utilizados poderiam ajudar a compor o financiamento do transporte público como direito social com Tarifa Zero que seria um eixo condutor entre o cidadão e os demais direitos sociais. O saneamento do sistema de contratação e remuneração como é feita hoje também contribuiria muito para o orçamento de custos do setor.
Vias de circulação públicas devem dar prioridade para circulação do maior número de pessoas.
A retirada do dinheiro que custeie o sistema de transporte público deve ser acompanhada da quebra de paradigmas sobre conceitos ultrapassados. Por exemplo, as vias de circulação são territórios públicos e devem ser priorizadas para que o maior número de pessoas a utilize, logo deixar serem usadas como depositórios de veículos é priorizar o seu uso para poucos.
Uma grande oportunidade seria retirar os estacionamentos de veículos de todas as vias que sejam usadas por itinerários de ônibus – e nas demais que sejam utilizados quando necessário para faixas operacionais em horário de pico, que facilite o escoamento de mais pessoas por ela. Nas que permanecerem os estacionamentos em vias públicas, que seja feito de forma que haja uma remuneração ao Poder Público para tal.
O mundo mudou e o conceito de vias ainda está paralisado no milênio passado que as destinava à parcela mais rica de pessoas. Observem que as calçadas em que se deslocam pedestres, cadeirantes, motoristas (quando saem de seus veículos) não são feitas pelo poder público, mas a via de circulação de veículos. Por que?
Os avanços na apropriação dos espaços públicos das cidades pela comunidade passa pela modernização da relação de contratação e remuneração do Transporte Público; é absurdo que pessoas não consigam usufruir de suas cidades pela limitação financeira imposta pelo valor cobrado no transporte. Tarifa Zero é democratizar as cidades!
A necessidade urgente é a regulamentação pelo Congresso Nacional do artigo 6º da Constituição por meio de uma lei que diga como o transporte será disponibilizado como direito social. Sem isso, continuará sendo só o serviço essencial sob a mesma perspectiva engessada de gestão.
Participei de um grupo desde 2016 (no Instituto Nacional pelo Direito ao Transporte Público com Qualidade) que elaborou uma proposta inicial do SUM – Sistema Único da Mobilidade (nos moldes conceituais dos demais sistemas únicos como o SUS – da saúde – e o SUAS, da assistência social) que estrutura um modelo de gestão financeira tripartite da Mobilidade Urbana, ampliando da atual responsabilidade municipal exclusiva do Transporte Público Urbano a incorporação do Estado e União. Esse modelo inicial foi debatido desde então e teve incrementos essenciais.
Atualmente está em fase de discussão na Câmara Federal por meio da PEC 25 – Projeto de Emenda Constitucional, da também Deputada Luíza Erundina do PSOL que propõe:
• Criação do SUM – Sistema Único de Mobilidade.
• Autorização do CONUSV – Contribuição pelo Uso do Sistema Viário (imposto anual sobre os veículos em função de seu tamanho e potência, que comporia um valor irrisório para cada proprietário, porém substancial para o Fundo de Mobilidade a ser criado).
• Determina a Tarifa Zero como viabilizadora do Direito Social do Transporte
Essa PEC-25 poderá refinar e aprofundar o debate sobre muitas questões sob várias perspectivas, inclusive o passo a passo para se chegar a uma Tarifa Zero universalizada pelo país. A implantação não será de imediato, mas pode ter início só nos finais de semana (como já acontece em alguns municípios) em algumas regiões da cidade (talvez as linhas da periferia) em percentuais da tarifa (que poderiam ir progredindo até o 100%).
Imprescindível que a discussão sobre os moldes das licitações, a forma de remuneração das empresas, a gestão financeira como preponderante para o Poder Público, gestão operacional descentralizada em vários setores do sistema de transporte público deva ser promovido urgentemente para o debate nacional ultrapasse achismos e repetições de mais do mesmo. Com o raciocínio lógico, a obediência ao cumprimento do estabelecido na Constituição e a diretriz de apropriação das cidades por todas as pessoas todos avançaremos para cidades mais justas e ambientalmente mais sustentáveis.
Fonte: Outras Palavras