A regulação do setor de eVTOLs no Brasil começará avaliando caso a caso, sem uma regra geral, certificando para operação os veículos que forem apresentados, como forma de observar o desenvolvimento do setor e não criar barreiras de entrada.
É o que indicou o superintendente de Aeronavegabilidade da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), Roberto Honorato, em entrevista à Agência iNFRA. Essa superintendência é a que vem liderando o processo de implantação desses veículos no país, apelidados de “carros voadores” (o nome eVTOL vem do inglês: electric vertical take-off and landing).
“Precisa regulamentar? A gente olha essa questão com um pouco de cautela. Não é preciso fazer isso neste momento. É difícil fazer uma regra geral agora”, explicou Honorato.
Segundo ele, a área da agência tem mecanismos para permitir operações seguras no processo de certificação dos equipamentos, discutindo o caso concreto do veículo apresentado e as regras de operação que serão aplicadas a ele. E esse será o melhor caminho para os eVTOLs.
“Se a gente sentar agora para fazer uma regra geral, a gente consegue. Mas como a gente vai regulamentar o que a gente não conhece, tendo que acertar? A gente pode fazer algo para menos ou para mais e matar [a indústria], porque isso vai ser custo”, disse o superintendente.
A ideia, de acordo com Honorato, é aprender o que é relevante a ser observado e, no futuro, quando houver algum nível de padronização da indústria, fazer uma regulamentação mais geral.
“A regulação atual não representa barreira ao desenvolvimento da atividade e oferece portas de entrada.”
Preocupação com a segurança
Segundo ele, a preocupação com a segurança estará presente no processo que antecede a regulação, que é a certificação dos equipamentos, que já está iniciada com a abertura da Consulta Setorial 10/2023, de dezembro deste ano, para a primeira empresa que solicitou, a EVE, subsidiária da Embraer.
O superintendente explicou que os conhecimentos que a agência tem sobre segurança de aeronaves de pequeno porte e de helicópteros serão usados para certificar os veículos que forem apresentados. E a agência está buscando conhecimento em áreas novas, como de funcionamento de baterias, para também avaliar os aspectos que não estão presentes na aviação atual e que estarão nos eVTOLs.
De acordo com Honorato, a perspectiva da ANAC é finalizar a etapa atual de base de certificação do equipamento da EVE neste semestre. A empresa já fez testes operacionais no Brasil (relatório neste link). Ele explicou que a base de certificação é uma espécie de “regra do jogo” para que a empresa possa seguir com o desenvolvimento do equipamento e tenha os elementos essenciais sobre como ele vai poder funcionar. E, só então, pedir a certificação.
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Piloto
É nesse processo, por exemplo, que serão definidos parâmetros de onde operar, em que circunstâncias, quantidade de passageiros, distâncias, entre outros. E também como será a certificação dos pilotos, algo que terá que haver, ainda que os equipamentos já estejam sendo desenvolvidos para que sejam operados remotamente.
“Não há como abrir mão de alguém certificado para operar”, informou Honorato, que indicou poder ser uma certificação para piloto remoto.
Atenção do mundo
A certificação do eVTOL da EVE pela ANAC, segundo Honorato, é motivo de atenção em todo o mundo. Isso porque a companhia é uma das que mais têm encomendas desses equipamentos no mundo. Até o momento, não há nenhum equipamento certificado pelas agências norte-americana e europeia.
Os que estão mais avançados, segundo ele, são os equipamentos da alemã Lillium e da inglesa Vertical. No fim do ano passado, essas duas agências firmaram acordos de cooperação com a ANAC para que elas possam reconhecer a certificação uma das outras, apenas homologando o que a parceira tiver certificado.
“Estamos super envolvidos no tema e participando efetivamente. Além da brasileira [EVE], temos dois grandes operadores aéreos que têm intenção forte de trazer equipamentos estrangeiros para o Brasil”, explicou Honorato, lembrando dos acordos da Azul com a Lillium e da Vertical com a Gol, anunciados em 2023.
Em 2025
Apesar dos avanços, não há perspectiva de que nenhuma dessas empresas tenha operações de fato em 2024. Mas, de acordo com Honorato, há perspectivas para 2025. Ele lembrou que tem havido alguns anúncios de empresas que dizem que venderão o equipamento, inclusive no Brasil.
Ele tem alertado a essas companhias que elas devem informar aos possíveis compradores de que os equipamentos só poderão operar no país se tiverem a certificação da ANAC ou a homologação das certificações de parceiras.
Honorato, no entanto, não vê no momento um modelo de vendas individuais dos eVTOLs. Segundo ele, o foco dos principais desenvolvedores é buscar uma operação que seja complementar à da aviação, pelas características atuais das máquinas, que só têm alguma perspectiva de viabilidade em voos mais curtos.
“É uma indústria que surge da evolução de baterias e motores, o que deu margem à criação de um conceito que tem semelhança com o drone, mas o propósito de aplicação e o nível de segurança é bem diferente. Eles nem gostam de ser comparados aos drones”, explicou. “Eles encontram nos problemas dos centros urbanos os motivos para desenvolver.”
Revolucionar a aviação
Para ele, a intenção é “revolucionar” o modelo de aviação civil, com check-ins mais rápidos, por exemplo.
“A ideia é quebrar paradigmas para que eles se insiram nas cidades de uma forma mais fácil”, indicou Honorato. “Os fabricantes estão sentando na mesa para verem o que pode mudar, de tudo o que vocês imaginarem.”
Mas os desafios para o funcionamento não estão restritos ao funcionamento das aeronaves e, segundo Honorato, envolverão muitas áreas. Os fabricantes já estão em conversas com concessionárias de aeroportos e de mobilidade para criar o que está sendo chamado de Vertport, locais de onde vão ser feitas as operações com os eVTOLs.
“Já tem várias concessionárias que estão estruturando modelos de operação em que o eVTOL sai do aeroporto e entra dentro das cidades, e tem conexão dedicada com modais de transporte das cidades”, contou Honorato.
Interação com o setor elétrico
Já estão sendo identificadas necessidades específicas que terão que ser atendidas pelo setor elétrico. Os veículos não poderão ser carregados em sistemas comuns, como os que abastecem os carros elétricos, por exemplo. É preciso ter uma subestação de energia próxima ao local. Há também preocupações com os impactos ambientais nas cidades, especialmente o sonoro.
Esses temas estão sendo trabalhados em conjunto com outras áreas da agência e do governo. Já na parte de navegação aérea, segundo Honorato, há uma forte integração com o Decea (Departamento do Controle do Espaço Aéreo), da Aeronáutica, para que também sejam identificados os padrões adequados para as operações dos eVTOLs.
Segundo ele, a indústria já nasce com um padrão de informação dos voos muito elevado, com praticamente tudo monitorado. Mas os primeiros testes têm indicado a necessidade de cuidados com os chamados microclimas nas regiões onde ocorrem os voos e com o fato de os radares atuais não registrarem veículos abaixo de uma certa altura.
Fonte: Agência Infra