Com uma visão estreita do futuro as empresas banem o teletrabalho de forma sutil e atrasam o desenvolvimento do ciclo virtuoso por vir
O ecossistema de tecnologia elevou o teletrabalho nos anos 2020 e 2021 ao patamar de destaque na gestão de recursos humanos permitindo a manutenção do trabalho e aperfeiçoamento laboral com melhorias de entregas, para em 2022 e 2023 o mercado insistir no trabalho presencial e reduzir pouco-a-pouco o home office, utilizando-se estrategicamente do trabalho híbrido.
Essa insistência sinestésica das empresas é gerada não só pelas suas culturas organizacionais, ou por sua incapacidade gerencial de manutenção ou melhoria de produtividade, mas principalmente pelo arcaísmo de toda uma sociedade (ai incluído o próprio colaborador) em manter seu status quo na tradicional estrutura hierárquica chefe-subordinado.
Poucos sabem a origem da palavra trabalho. É importante notar que a própria etimologia da palavra “trabalho” remonta a um instrumento de opressão que causava dor, o tripalium. No Japão, o trabalho estava associado a perigo e sujeira, contrastando com a figura de nossa icônica personagem preguiçosa, o Macunaíma, no Brasil.
Com uma visão otimista, o futuro do trabalho foi profundamente estudado pelo filósofo italiano Domenico de Massi (01/02/38 * 09/09/23+). Domenico, ainda no século XX, conseguiu descrever não só as bases do teletrabalho dos dias atuais, mas dos anos vindouros, onde haverá uma crescente necessidade do home office, que se constituirá não um fim em si para a realização das empresas e labor dos seus colaboradores, mas um meio singelo e clarividente para a realização plena do ser humano na criação e na realização.
Na visão de Domenico, o futuro promissor reside na busca do bem-estar dos trabalhadores, proporcionando-lhes mais tempo livre para a criatividade. Isso impulsionará a humanidade na criação de riqueza, permitindo uma redução substancial da jornada de trabalho, com aumento da produtividade, qualidade e conhecimento. O conceito-chave aqui é o “ócio criativo”, uma revolução comportamental que promete transformar a sociedade.
O filósofo foi incisivo “Nos próximos anos, a porcentagem de quem trabalha em tempo integral em troca de um salário vai diminuir e a porcentagem de quem não trabalha, ou que trabalha algumas horas, vai crescer, transformando várias atividades de graça (voluntariado, esporte, arte etc.) e receber rendimentos de cidadania. A maioria das atividades não será paga e servirá àqueles que as carregam para atender às suas necessidades de introspecção, amizade, amor, beleza, diversão e convívio. Isto é, ócio criativo.”
Com uma visão estreita do futuro as empresas banem o teletrabalho de forma sutil e atrasam o desenvolvimento do ciclo virtuoso por vir. Essa tendência de retorno ao escritório também vem do mindset voltado para o passado impossibilitando um passo largo na nova direção. De fato, parece impossível nessa primeira metade do século XXI fazermos a virada de chave com o modelo atual de gestão usado pelas corporações, e com os profissionais disponíveis no mercado.
Por outro lado, alguns esforços estão em andamento. No Recife, por exemplo, o Prefeito João Campos recomendou ao seu time que todos lessem “Utopia para Realistas” de Rutger Bregman, escritor que defende abertamente a redução da carga de trabalho repercutindo na melhoria dos negócios. No Recife, ainda, a EMPREL empresa pública responsável pela tecnologia no município regulou através de acordo com os trabalhadores o “Teletrabalho Inteligente” inspirado em Domenico de Massi. Não há obrigatoriedade de adesão de nenhuma das partes, até porque nem todo trabalhador está apto ao teletrabalho, como também nem todos o querem. Críticas e elogios vieram de parte a parte, mas sempre construtivas para melhorar a produtividade da empresa, com qualidade de vida para o trabalhador.
Nesse contexto de interesses divergentes, é possível encontrar um caminho que ofereça menos trânsito, melhor qualidade de vida, redução de despesas, ar mais puro e mais tempo livre para as pessoas. No entanto, isso requer o comprometimento e a qualificação dos gerentes para apoiar os colaboradores e alcançar metas com excelência.
A nível nacional, o Governo Federal está retomando a discussão sobre a redução da jornada de trabalho para trinta e duas horas semanais. Embora seja essencial debater essa questão, em um processo de transformação, o diálogo é crucial, pois decisões abruptas que não contam com o acordo de ambas as partes interessadas podem levar ao fracasso e ao retrocesso. O progresso inspirado no legado do grande, admirado e saudoso Domenico de Massi passa pela construção de um consenso que visa à evolução da humanidade, onde o trabalho deixe de ser um tripalium e se torne um momento de prazer e realização.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Recifense, economista pela UFPE, Auditor do Tesouro Estadual. Atuou como Executivo de Gestão por Resultados nos Pactos pela Vida, Saúde e Educação do Governador Eduardo Campos. Foi Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, CEO do Porto de Suape, Executivo da Administração Tributária do Estado de Pernambuco. Ainda foi Secretário de Educação do Recife na gestão do Prefeito Geraldo Júlio e atualmente é Diretor-presidente da EMPREL do atual Prefeito do Recife João Campos.