A Europa está a avançar para uma estratégia única de mobilidade elétrica. Mas será essa a melhor solução a curto prazo? Há quem pense que não e que se deveria dar espaço a combustíveis de transição e, simultaneamente, dar tempo para capacitar a infraestrutura de produção de energia.
O futuro passa pela mobilidade elétrica. Esta é a convicção da Comissão Europeia que avança para uma solução única – embora contestada por países como a Alemanha e Itália. Mas será essa estratégia a melhor solução? Para a Associação Portuguesa De Empresas Petrolíferas (Apetro), a resposta é negativa.
Segundo fonte oficial da Apetro, “pela primeira vez na história da Humanidade, não são a ciência e a investigação a conduzirem a sociedade quanto às soluções tecnológicas a utilizar no futuro, mas a vontade política, assente em dogmas ideológicos, isenta de neutralidade e consubstanciada em legislação que inevitavelmente empurra para uma única opção”.
Para a associação que representa as petrolíferas, a questão não tem tanto a ver com a utilização da eletricidade, que reconhece ser uma realidade e ter inúmeras vantagens, mas sim o facto de esta não ser, pelo menos nos tempos mais próximos, “a solução”.
Em respostas ao Negócios, fonte oficial da Apetro afirma que “uma estratégia verdadeiramente sustentável, em qualquer domínio, tem de ter em consideração os seus três pilares: ambiental, económico e social”. No entender da Apetro, sob o ponto de vista ambiental não é verdade que a mobilidade elétrica seja “zero emissões”. A forma como a eletricidade é produzida, as emissões resultantes da fabricação dos veículos elétricos (substancialmente superiores ao dos veículos com motores térmicos) e as emissões resultantes da extração e processamento dos minerais necessários à fabricação das baterias e a sua própria fabricação, têm de ser tidas em consideração.
Um veículo elétrico novo, chega a ter uma pegada carbónica superior a 100.000 km de utilização de um veículo com motor térmico. Face a isto, fonte oficial da Apetro frisa que “é absurdo e falacioso considerar que o CO2 no tubo de escape é igual a zero emissões, quando o problema das emissões, que todos queremos resolver, é global”.
Por outro lado, e do ponto de vista económico, “também não parece muito sustentável a utilização exclusiva da eletricidade na mobilidade, pois não só levaria à necessidade de investimentos brutais em novas infraestruturas, como implicaria milhares de ativos afundados”, enfatiza a associação.
Na mesma linha, Nuno Afonso Moreira, CEO do Grupo Dourogás, acredita que a mobilidade elétrica é uma oportunidade, mas não deve ser um modelo único, principalmente se considerarmos que apenas 60% da eletricidade é produzida a partir de energia renovável, os restantes 40% tem origem em energia fóssil.
O gestor considera que a redução das emissões deve considerar diversos modelos energéticos, incluindo a mobilidade elétrica, mas também a mobilidade a gás, em particular a mobilidade a biometano, um gás 100% renovável e que está disponível hoje, para participar na descarbonização necessária. Nuno Afonso vai mesmo mais longe e refere que só um “mix” energético neutro, mas diverso em função dos segmentos, é que poderá garantir que o trilema da energia se resolve de modo sustentável: energia sem emissões, energia a um custo comportável e energia resiliente sem disrupções de fornecimento.
A associação ambientalista Zero tem uma visão completamente oposta e considera que os combustíveis sintéticos só serão viáveis para o transporte aéreo e marítimo que dificilmente poderão ser eletrificados. Para a Zero, a opção de enveredar pela mobilidade elétrica como via única é uma estratégia certeira, em termos de sustentabilidade. “Sobretudo se for complementada com a alteração do atual modelo de mobilidade, assente em serviços fragmentados ou no transporte individual, para um outro, baseado nos serviços de mobilidade elétrica vertebrados pelo transporte ferroviário”.
A capacidade atual é um os desafios que se coloca
Mais do que saber se devem existir alternativas, a grande questão que se coloca é se a infraestrutura atual está capacitada para abastecer todos os dispositivos que irão requerer eletricidade. E neste campo a Zero tem uma visão otimista. A associação considera que a infraestrutura começa a estar capaz, apesar de ser necessário dar maior segurança aos operadores logísticos, investindo numa rede de plataformas logísticas que constituam em simultâneo interface com o transporte ferroviário e sistemas exclusivos de carregamento rápido e abastecimento de hidrogénio (sobretudo quando próximos de parques industriais que usarão este gás no futuro).
E é aqui que entra o hidrogénio verde que “deve ser usado de forma mais eficiente em pilhas de combustível (veículos elétricos) sempre que faça sentido em termos de custos de investimento e de operação. Os biocombustíveis devem ser uma solução de muito curto prazo, já que a sua utilização induz fortes pressões diretas e/ou indiretas sobre diferentes ecossistemas a nível global”, refere a Zero.
“Pelo que tem sido dito por fontes credíveis, temos um sério problema, não só quanto à capacidade de produção, como de distribuição”. Esta é a avaliação que a Apetro faz da infraestrutura atual, acreditando que é impossível atingir o objetivo definido em seis anos.
Já Nuno Afonso Moreira é menos pessimista. O CEO do Grupo Dourogás refere que “o abandono dos combustíveis fósseis é uma obrigatoriedade, já não é uma possibilidade”. Prova disso é a desaceleração do consumo dos combustíveis fósseis, principalmente na indústria e na mobilidade estão a fazer com que os países concretizem projetos no âmbito das energias renováveis, nomeadamente ao nível dos gases renováveis, como o hidrogénio e o biometano. E aqui, como consta do Alternative Fuels Infrastrucure Diretive (AFID), regulamento recentemente aprovado pela Comissão Europeia e que determina a criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos, o gás surge como o combustível de transição no médio e longo curso do transporte pesado e no transporte marítimo.
Convém referir, lembra Nuno Afonso Moreira, que a mobilidade verde não se esgota na eletricidade de fontes renováveis. Há espaço para os gases renováveis, para os “e-fuels” e para os Renewable fuels of non-biological origin (RFNBO).
“No caso dos gases renováveis, e considerando que o gás continuará a ser a energia de transição das próximas duas décadas, as infraestruturas são ativos muito relevantes que devem ser valorizados e ampliados, com vista a contribuir para a produção de gases renováveis no contexto da economia circular, como é o caso do biometano, valorizando recursos, até agora entendidos como resíduos, sejam estes industriais, agropecuários ou domésticos”, acrescenta o gestor.
Fonte: Jornal de Negócios