Valor Econômico – O modelo de Parcerias Público Privadas (PPPs), que o governo federal planeja impulsionar, reúne um estoque de ao menos 121 projetos em Estados e capitais brasileiras, com potencial de investimento a partir de R$ 37 bilhões, segundo dados da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base). Apesar do avanço, o formato ainda deverá enfrentar desafios, principalmente na questão das garantias, mesmo com os estímulos da União.
Hoje, a carteira mapeada pela Abdib é pulverizada entre 30 entes federativos e contempla 14 setores, com destaque para infraestrutura social e de lazer (35 iniciativas), energia (19), saúde (16) e mobilidade urbana (14).
Entre as iniciativas, a maior é a PPP do Trem Intercidades entre São Paulo e Campinas, do governo paulista, cuja licitação deverá ser realizada em novembro. Outros projetos relevantes, já com leilão marcado, são a PPP do Complexo Hospitalar Souza Aguiar, da prefeitura do Rio, com licitação em agosto, e o Novo Aeroporto Costa do Descobrimento, do governo baiano, previsto para setembro.
“Houve melhora na estruturação das PPPs, o que permite reduzir a mortalidade que se via no passado. Na maioria dos casos, a qualidade avançou, os riscos foram mitigados”, avalia Venilton Tadini, presidente da Abdib.
No entanto, as PPPs subnacionais ainda enfrentam desconfiança no mercado. Um desafio central é a estruturação da garantia, ou seja, o mecanismo de segurança contra a possível inadimplência de governos. A questão é determinante, porque, diferentemente das concessões plenas, em que a viabilidade econômica é garantida pela tarifa paga pelo usuário, as PPPs dependem de aportes públicos.
“A garantia é um desafio enorme para todo ente federativo. Mesmo na Prefeitura de São Paulo, que tem situação privilegiada de caixa e rating [nota de crédito], é algo difícil”, diz Guilherme Bueno de Camargo, presidente da SP Parcerias.
Para destravar essa limitação e viabilizar mais PPPs, o Tesouro Nacional anunciou, em abril, a oferta de uma garantia federal a projetos estaduais e municipais.
A ideia é que a União entre como “fiadora” da garantia, que será feita via operações de crédito. Haverá duas formas de usar o financiamento: para o desembolso de um aporte público, pago no início do contrato (quando é necessário fazer uma obra grande, por exemplo) ou ao longo da PPP, em contraprestações anuais – neste caso, o crédito funciona como “seguro”, e a instituição financeira só paga o recurso se houver inadimplência.
Na visão de Estados e prefeituras ouvidas pelo Valor, o mecanismo tem grande potencial de impulsionar PPPs. Porém, há incerteza sobre como funcionará na prática.
“Pode ser uma grande alavanca. Com a garantia da União, haverá uma série de atores interessados em financiar, isso pode destravar projetos de forma inédita. Mas o procedimento não é simples. É preciso garantir agilidade na liberação”, avalia Camargo.
Gustavo Guerrante, presidente da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) diz que as garantias federais serão consideradas para as novas PPPs da prefeitura, mas, pelo volume e pelo porte dos projetos em estudo, não deverão ser suficientes.
“Temos projetos de grande porte, como o VLT da Zona Sul. Vamos analisar, mas considerando o limite estabelecido para cada ente, não deve ser suficiente para nossa demanda.” A carteira completa da CCPar inclui 15 projetos, em diferentes etapas.
Outra restrição relevante do mecanismo federal é a situação fiscal dos governos. O Rio Grande do Sul, por exemplo, que está em regime de recuperação fiscal, não poderá acessar as garantias. “O Tesouro é bastante restritivo. O ente tem que estar adimplente com a Lei de Responsabilidade Fiscal, ter Capag [Capacidade de Pagamento] A ou B. Não é fácil acessar”, afirma Pedro Capeluppi, secretário estadual de Parcerias e Concessões.
Apesar de o Estado não poder aderir ao mecanismo, Capeluppi afirma que o modelo está sendo estudado para projetos em municípios gaúchos. “Devemos lançar, ainda em julho, um programa para apoiar PPPs municipais e já mapeamos que diversas cidades teriam condições de aderir”, diz.
Segundo o Tesouro Nacional, estima-se que 3.372 entes subnacionais contavam com Capag A ou B em 2022. Em relação ao prazo de liberação das garantias, a secretaria afirma que “operações de crédito internas têm um ciclo de análise e aprovação inferior a 130 dias e, as externas, em torno de 180 dias”.
O Mato Grosso do Sul também deverá avaliar a adesão ao mecanismo nos novos projetos, segundo a secretária de Parcerias Estratégicas do Estado, Eliane Detoni. Entre as iniciativas que poderão se beneficiar estão PPPs de rodovias que serão estudadas.
A vantagem do modelo de crédito, diz, é que o recurso não fica parado, como acontece no formato predominante nos Estados, que deixam a garantia em fundos e contas vinculadas às PPPs.
Detoni destaca, porém, que terá que ser avaliado o custo do financiamento, além do espaço fiscal ocupado. “Me parece que o custo é mais baixo do que a manutenção da conta-garantia, mas temos que avaliar. Outro desafio é que a operação mantém, ao longo de 20, 30 anos, os recursos contratados no consumo de espaço fiscal. É necessária uma análise de longo prazo.”
O Tesouro Nacional afirma que, neste momento, o mecanismo “está na fase de diálogo para seleção de pilotos junto às instituições financeiras” e que, na sequência, haverá “o início dos pedidos formais para análise”. O órgão não divulga estimativas sobre a adesão, mas diz que “há sinalização de interesse da maioria dos Estados, capitais e grandes municípios”.
Para além das garantias, outro desafio para o avanço das PPPs subnacionais é a percepção de risco, afirma Eric Brasil, sócio da consultoria Tendências. “Se na esfera federal ainda temos projetos com elevado risco político, na esfera municipal e estadual isso é potencializado. Temos decisões judiciais em comarcas menores, muitos poderes concedentes sem histórico de PPPs, maior influência de questões locais. Tudo isso reduz a segurança do ambiente de negócios.”
Esse fator, diz ele, dificulta inclusive o mecanismo de garantias federais, dado que a declaração de inadimplência – caso em que a garantia seria acionada – em geral é alvo de judicialização.
Além disso, a percepção é que a estruturação das PPPs ainda é um gargalo, avalia Marcos Ganut, sócio da Alvarez & Marsal. “Há um número significativo de modelagens precárias. É preciso ter uma fábrica de projetos mais adequada que possa alimentar as PPPs.”
Apesar dos desafios, Tadini diz que as PPPs são importantes porque possibilitam contratos que seriam inviáveis só com recursos privados. “Em alguns projetos, o privado sozinho não consegue fazer, precisa ter o público junto. Nesses casos, ou faz via PPP ou não faz.”
Fonte: Revista Ferroviária