O anúncio de estímulo para venda de carros populares provocou reação da sociedade tendo em vista que é um programa que aparentemente tem a indústria como público-alvo e não o meio ambiente e a população
O anúncio do governo federal sobre reedição de um programa de incentivo a venda de carros populares coloca em xeque os anúncios de campanha e discurso onde o governo estaria orientando investimentos e esforços no combate às mudanças climáticas.
Não é apenas o setor de transportes que tem sofrido reveses na pauta ambiental, entretanto o anúncio de estímulo para venda de carros populares provocou reação da sociedade tendo em vista que é um programa que aparentemente tem a indústria como público-alvo e não o meio ambiente e a população. Primeiro vale ressaltar que a faixa de preço anunciada entre R$50 e R$60 Mil Reais é muito distante da realidade da classe média brasileira quanto mais das faixas de renda menos favorecidas. Para além disso, o anúncio também contradiz a Lei 12.587 – Política Nacional de Mobilidade Urbana, PNMU, de 2012 que no Art6º, Inciso II descreve como deve ser a priorização do transporte: “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”. O Ministério da Fazenda complementou o anúncio incluindo incentivo ao transporte público e de carga, criando maior sinergia com a PNMU. Entretanto, a priorização ao meio ambiente e redução de gases de efeito estufa pouco avançaram, houve apenas a confirmação do que o Programa de Controle de Emissão Veicular – PROCONVE já havia comandado para garantir a eficiência de motores e a redução de emissões.
Além da priorização dos transportes ativo e público sobre o transporte individual motorizado, a PNMU também indica no inciso V, do mesmo Art. 6º, que deve haver o “- incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes”. Neste caso todos sabemos que o Brasil tem produção histórica de biocombustíveis, entretanto seja para etano a partir da cana de açúcar, seja para o biodiesel a partir de soja, em ambos a tecnologia de produção aplicada é ultrapassada. Já há tecnologia disponível e acessível para produção de biocombustíveis muito mais eficientes de segunda, terceira e quarta geração, enquanto ainda usamos tecnologias de primeira geração. E o que significa esse avanço? Biocombustíveis mais desenvolvidos, emitem menos gás carbônico e, portanto, contribuem para a mitigação dos impactos gerados pelo aquecimento global.
Por fim, precisamos contextualizar o caso brasileiro em relação ao cenário global, onde diversos países assumiram compromissos de finalizar a produção de veículos a combustão, com horizontes de 2030 a 2050¹. Além do compromisso na redução de gases de efeito estufa, vê-se, portanto, uma tendência de mercado onde veículos elétricos a bateria têm dominado a pauta, seguidos por grandes investimentos para baratear a produção de hidrogênio, ainda que sua rota de desenvolvida ainda esteja menos avançada. De uma forma ou de outra ambos são zero emissões. É um sinal claro para o Brasil definir suas rotas de desenvolvimento tecnológico, criando programas de incentivo a tecnologias zero emissões, que dominarão o mercado global. A insistência e postergação deste movimento pode acarretar a perda de empregos e numa balança comercial negativa dentro do setor, já que pode impactar diretamente na redução de exportações e assim como já vemos com algumas montadoras o fechamento de fábricas em território nacional para trabalhar apenas com importação de veículos.
O Brasil na década de 70 saiu na frente com programas de incentivo aos biocombustíveis, as tecnologias avançaram a emergência climática está dada cabe ao governo Federal reorientar os setores automobilístico e de combustíveis para uma economia verde e zero emissões.
¹ https://theicct.org/growing-momentum-global-overview-of-government-targets-for-phasing-out-sales-of-new-internal-combustion-engine-vehicles/
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Marcel é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Planejamento e Gestão de Território pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Entre suas experiências profissionais, trabalhou com a coordenação de grandes projetos na área de planejamento urbano, transporte e mobilidade com equipes multidisciplinares. De 2009 a 2016, Marcel atuou como desenvolvimento de estudos de transporte dentre eles, Planos Diretores e de Mobilidade. De 2016 a 2018, trabalhou no Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) com a gestão e coordenação técnica dos produtos previstos do programa de mobilidade urbana de baixo carbono fruto da parceria entre Ministério das Cidades e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) . No iCS, ele coordena o portfólio de transportes, monitorando projetos relacionados à mobilidade urbana, fomentando o conhecimento e o debate sobre transportes de baixo carbono, além de explorar as interfaces entre qualidade do ar e saúde com as políticas e tecnologias de transporte.