Máquinas autônomas aumentam a capacidade humana de prever cenários, fundamental para lidar com a crise climática. O que elas não fazem é pensar
O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) inicia seu primeiro grande clássico, Tractatus Logico-Philosophicus, convidando o leitor a pensar. “Este livro talvez seja entendido apenas por quem já tenha pensado por si próprio o que nele vem expresso”, escreve no prefácio. Pode parecer estranho produzir todo um tratado filosófico que só será entendido por quem, de alguma maneira, tenha pensado a mesma coisa. Wittgenstein, no entanto, revolucionou o estudo da linguagem, uma área complexa do pensamento humano, e ao mesmo tempo natural a qualquer pessoa.
Há duas linhas de investigação no trabalho de Wittgenstein. Na primeira, exposta em Tractatus, ele questiona se as formas gramatical e lógica da linguagem coincidem. Para isso, o filósofo busca reduzir a linguagem a elementos atômicos, nomes de objetos simples que, combinados, constituem frases elementares. Essas, quando analisadas, representam a realidade do mundo. Na segunda, exposta em Investigações Filosóficas e Sobre a Certeza, Wittgenstein conclui, ele mesmo, que estava errado. O significado das palavras, na realidade, depende do contexto.
Essa aparente contradição no trabalho de Wittgenstein é ilustrativa do nosso próprio modo de pensar. Somos naturalmente dotados da capacidade de tentar compreender a própria existência, e esse questionamento do ser produz as ideias. É na linguagem que a nossa existência se manifesta, e por meio dela interpretamos o mundo. “A linguagem é a morada do ser”, disse o alemão Martin Heidegger, outro grande filósofo da linguagem. Mas a linguagem também descreve e quantifica o mundo, e assim produzimos ciência. Há dois aspectos, portanto, no pensamento. Um quantificável, e outro não.
Previsão não é inteligência
Fica fácil concluir, a partir do estudo da linguagem, que inteligência e conhecimento são coisas diferentes. E que, talvez, a humanidade não esteja tão perto de emular o pensamento humano quanto o hype sobre o avanço dos sistemas de inteligência artificial (IA) deixa transparecer. Aprender, afinal, não é o mesmo que pensar. Kay Firth-Butterfield, que lidera a área de inteligência artificial no Fórum Econômico Mundial, resume a capacidade desses sistemas:
“IA não é inteligência – é previsão. Com grandes modelos de linguagem, há um aumento na capacidade da máquina de prever e executar com precisão um resultado desejado. Mas seria um erro equiparar isso à inteligência humana”, disse Firth-Butterfield, em entrevista ao site do Fórum.
Essa distinção é importante para saber o que dá, e o que não dá, para fazer com esses sistemas. O impacto da inteligência artificial é gigantesco em quase todas as áreas da economia e da geração de conhecimento. Mas essa tecnologia não revoga o domínio humano sobre o pensar, assim como a invenção do avião não revogou as leis da gravidade.
O que fazer com a IA
Análises fantasiosas e interesses comerciais estão, em vários níveis, exagerando o poder da inteligência artificial. O que, em nenhuma hipótese, estabelece a necessidade de diminuir a capacidade da tecnologia. Como afirma Firth-Butterfield, há um aspecto em particular em que a IA excede a capacidade humana: a previsão. Ao conseguir lidar com volumes absurdos de dados, as máquinas inteligentes podem nos oferecer cenários futuros a velocidades impensáveis a reles mortais. Considere o exemplo do FireAId, projeto do Fórum Econômico Mundial com o governo da Turquia. A ideia é usar IA para prever onde acontecerão os próximos incêndios florestais, e acelerar a resposta das brigadas.
São soluções como essa que demonstram o verdadeiro poder da inteligência artificial, inclusive, para ajudar no combate às mudanças climáticas, um dos maiores desafios (talvez o maior) enfrentados pela humanidade. Procurar o sentido da vida no ChatGPT, ou acreditar que um algoritmo qualquer irá substituir este jornalista, por sua vez, é inútil.