Empresas enfrentam espera por processos de licitações e têm de adaptar sistemas para diferentes realidades das cidades brasileiras
As delegacias brasileiras registram inúmeros casos de lesão corporal todos os dias, um crime que é considerado de baixo potencial agressivo, segundo a legislação. Alguns desses registros trazem pontos em comum que podem ligar a um delito mais grave, mas nem sempre os agentes de segurança conseguem identificar.
No entanto, em 2021, um sistema de inteligência artificial — criado especialmente para o Ministério Público — passou a sugerir que milhares dessas ocorrências fossem enquadradas na Lei Maria da Penha. O algoritmo faz a leitura dos relatos das vítimas e mostra aos promotores pontos que podem indicar que se trata de um caso de violência doméstica.
Essa ferramenta foi desenvolvida pela Softplan, uma das empresas responsáveis pela criação de soluções tecnológicas para o setor público. As chamadas “govtechs” têm ajudado a modernizar sistemas de prefeituras e órgãos do governo, mas em um ritmo ainda lento, porque dependem da espera por licitações e adaptações para as diferentes realidades das cidades brasileiras.
Fundada na década de 1990 e com sede em Santa Catarina, a Softplan oferece serviços com impacto em todas as esferas do poder judiciário brasileiro. Só no Tribunal de Justiça de São Paulo, indicado como maior do mundo em volume de processos, a companhia diz ter economizado mais de 25 milhões de horas de trabalho com a ferramenta de distribuição automática de ações.
“O TJSP já foi considerado um problema insolúvel e, hoje, é o segundo melhor em produtividade do país, segundo o Conselho Nacional de Justiça”, avalia Rafael Stabile, diretor de negócios da Softplan. “Isso demonstra que, quando bem pensado, um projeto tem condições de resolver os problemas da população”.
Segundo o último relatório do CNJ, um processo leva, em média, 2 anos e 3 meses para ser baixado no Brasil. Essa morosidade tem como plano de fundo a quantidade de ações que tramitam no sistema judiciário todo ano — entraram cerca de 27 milhões novos só em 2021 —, mas também a burocracia que ainda rege toda a máquina pública do país.
Na tentativa de acelerar a execução desses processos, vários tribunais têm procurado maneiras de incluir tecnologia nos bastidores. Só de ferramentas que usam IA, calcula-se que hoje existam 111 propostas em andamento, sendo a maior parte delas nos estados de Rondônia (23), Rio Grande do Sul (11) e Paraná (9).
A maioria desses algoritmos, criados pelas próprias equipes internas, é voltada para o aumento de produtividade dos funcionários dos tribunais, mas há um número também relevante de iniciativas que visam digitalizar os órgãos, melhorar a qualidade dos serviços ou, ainda, reduzir os custos do setor.
Já da iniciativa privada, as soluções vão desde a automatização das rotinas dos gabinetes à integração de todos os elos que fazem o sistema funcionar, como advogados, promotores e juízes.
“Trabalhar com o governo no Brasil tem uma barreira de entrada muito alta, em razão da burocracia da contratação pública, mas que é importante. Mesmo assim, é possível manter condições de apostar e investir em novas tecnologias, para conseguir ficar à frente sempre trazendo novidades para esse mercado”, destaca Stabile.
Agilidade nas compras públicas
Com seu tamanho continental, o Brasil tem quase 5,6 mil prefeituras, cada uma com características bastante diferentes. Enquanto o município de Saudade, no interior de Minas Gerais, tem apenas 800 habitantes, a população da cidade de São Paulo passa de 12,3 milhões de pessoas, por exemplo.
Por certo, não há um modelo de gestão único que seja capaz de atender todas as particularidades de cada prefeitura, mas já há projetos de tecnologia que tentam facilitar os procedimentos internos, a começar pela contratação de serviços. É o caso do Portal de Compras Públicas, uma “govtech” que surgiu com o objetivo de diminuir a burocracia que existe no processo licitatório do setor público.
Em 2016, a startup começou criando sites individuais de compras para cada cliente, mas foi adaptando seu modelo de negócio com o passar do tempo até lançar um sistema único que atende as diferentes figuras do setor público, do executivo ao judiciário. Neste formato, o órgão público faz seu cadastro, indica os itens que deseja adquirir e espera uma espécie de leilão virtual, com diversos fornecedores que também usam a plataforma.
Desta forma facilitada, a startup promete uma economia de 27% aos cofres públicos, além de uma celeridade de 76% nos processos de aquisição. Leonardo Ladeira, CEO e co-fundador do Portal de Compras Públicas, diz que quase a metade das prefeituras brasileiras já usaram o serviço alguma vez, sendo que 89% dos municípios do Pará, 91% do Rio Grande Norte e outras 5 capitais são clientes ativos.
Os dados internos registram a intermediação de R$ 10 bilhões todo mês em compra de produtos ou contratação de serviços. A expectativa da empresa é alcançar R$ 150 bilhões no fechamento deste ano.
“Quando falamos em compras públicas, é natural que as pessoas logo pensem nos extratos bilionários do governo federal [dada a sua responsabilidade]. As compras acontecem do mesmo jeito, mas em quantidades muito menores, já que os municípios compram praticamente as mesmas coisas. No final, damos duas soluções: visibilidade para que as empresas saibam que aquela prefeitura quer comprar e fazemos com que o negócio ocorra com competitividade”, destaca Ladeira.
Ainda de acordo com a empresa, todas essas transações ficam públicas na internet, à disposição dos tribunais de contas, de forma a contribuir no combate à corrupção. Segundo a Transparência Internacional, o Brasil é um dos 90 países com os maiores índices de percepção da corrupção, bem atrás de alguns vizinhos, como Uruguai e Chile.
“É evidente que toda a informação do processo está disponível através de atas no portal, mas os órgãos de controle de cada estado conseguem buscar os dados de forma estruturada, com IP das máquinas e horário das transações, inclusive. Isso facilita o acompanhamento dos órgãos de controle, contribui para a transparência e aumenta a governança do gasto público brasileiro”, conclui Ladeira.
Fonte: InfoMoney