É necessário que sejam debatidos novos modelos de contratações público-privadas para o transporte coletivo
Frequentemente, algum setor da infraestrutura nacional passa a centralizar a pauta do momento. Diversas discussões são realizadas a respeito da temática: no plano normativo, um projeto de lei é apresentado e os especialistas se concentram em debater se a iniciativa é adequada ou não para os objetivos anunciados. O saneamento vem passando por este momento – e não sem razão, diante da importância de serem superados os gargalos históricos do setor.
Mas a mobilidade urbana precisa ser, cada vez mais, a bola da vez. O diagnóstico é claro e universal: em todas as experiências nacionais, nos diversos entes federados, há reclamações sobre a qualidade do transporte urbano.
É necessário que sejam debatidos novos modelos de contratações público-privadas para o transporte coletivo. Embora costumeiramente colocado à margem das discussões mais recentes sobre regulação, financiamento, incentivos e remuneração, vale sempre lembrar que contratos que tem como objeto a prestação de serviços públicos de transporte coletivo são contratos de concessão – de igual normatividade e fundamento jurídico que seus irmãos aeroportos, rodovias, ferrovias e uma gama de outros serviços que costumeiramente são vistos na fronteira das discussões regulatórias.
É ainda importante entender que, se de um lado as concessionárias de ônibus reclamam por novas fontes de financiamento e pelo subsídio tarifário como forma de sustentar o equilíbrio econômico-financeiro de seus serviços, o Poder Público, a sociedade e os usuários proclamam maior transparência, fiscalização e adequação dos serviços públicos. A gregos e a troianos, a qualquer um dos lados e partícipes desta rede de interesses legítimos, a resposta parece ser uma só: a regulação.
A Secretaria Nacional de Mobilidade, vinculada ao atual Ministério das Cidades, lançou recentemente consulta pública sobre Projeto de Lei do chamado “novo Marco Legal do Transporte Público Coletivo”, com o objetivo de propor uma “reestruturação do modelo de prestação de serviços de Transporte Público Coletivo”, trazendo princípios, diretrizes, objetivos e definições sobre o Transporte Público Coletivo, além da organização e financiamento dos serviços de transporte e também aspectos sobre a operação, como a contratação de operadores e o seu regime econômico-financeiro.
O objetivo da norma é garantir que este setor conte com uma regulação temática, estruturada, que não se valha apenas das frágeis disposições da Lei n 8.987/1995 para arregimentar relações e estruturas complexas. Embora tenha sido de grande avanço, a Lei n. 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, não se debruçou sobre aspectos elementares a darem um contorno definitivo à estruturação de contratos de concessão que tenham como objeto o transporte coletivo.
Com uma estruturação jurídica robusta, é preciso colocar a mobilidade na pauta central das relações contratuais. Diversos contratos, firmados por longo prazo e com frágeis regras regulatórias, necessitam com urgência de um marco legal que lhes permita iniciar uma transição para novos tempos.
Se a pandemia colocou em xeque a sustentabilidade de um modelo remuneratório baseado apenas em demanda, não há mais como postergar a discussão por maior transparência, acesso à informação, previsibilidade e segurança jurídica para todas as partes. Mas só será possível recuperar a legitimidade social para se pensar em novas fontes de recursos para o transporte (a exemplo do subsídio) se uma grande reestruturação setorial for realizada, guiada por um marco regulatório que traga as bases práticas para as renegociações consensuais e estruturadas.
Ganham todos: aos novos contratos, será possível se guiar por regras claras, legitimando fontes de custeio inclusive públicas; aos contratos existentes , mas que padecem dos problemas que cotidianamente são vivenciados, será possível a revisão geral que salvará o colapso do transporte coletivo.
O que não será possível – pois irresponsável e socialmente insustentável – é adiar a mobilidade como a bola vez.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Secretário Adjunto de Parcerias e Concessões do Estado do Rio Grande do Sul. Foi Subsecretário de Transportes e Mobilidade da Seinfra – Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade do Governo do Estado de Minas Gerais. Com mestrado em direito da administração pública (UFMG), também atua como pesquisador do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – PPP Américas 2021, professor de cursos de pós-graduação em direito da infraestrutura e coordenador-executivo do Infracast.