Para fazer a transição justa para a economia de baixo carbono precisamos de sistemas de transporte feministas
O transporte público é um direito essencial, que viabiliza o acesso a outros direitos como saúde, educação, trabalho, lazer e descanso. As mulheres são a maioria entre as pessoas que utilizam o transporte público no Brasil, mas a minoria entre as pessoas que trabalham no setor de transportes, este que oferece uma ampla gama de oportunidades de emprego. Ciente da importância da pauta de gênero, o governo alemão se comprometeu com uma Política de Desenvolvimento Feminista, o que se reflete nos diferentes segmentos e projetos que implementa no mundo e no Brasil.
Buscando por equidade na representação feminina em espaços de tomada de decisão sobre as políticas públicas, a GIZ lançou no Brasil no ano passado a Rede de Lideranças Femininas Urbanas, cujo objetivo é fortalecer a gestão pública feita por mulheres por meio de encontros, networking, palestras e capacitações. Para que as mulheres se sintam acolhidas, reconhecidas e valorizadas, foram criados espaços para trocas, acolhimento, aprendizagem mútua e crescimento entre prefeitas, secretárias e líderes de equipes técnicas.
Neste ano de 2023, também a Iniciativa Transformadora de Mobilidade Urbana (TUMI) terá um foco ainda maior em trabalhar pela equidade de gênero no setor de transportes. Desde sua origem em 2016, a iniciativa TUMI é orientada a priorizar o acesso à mobilidade, em especial às mulheres, às pessoas negras, com mobilidade reduzida e de baixa renda.
Uma de suas principais frentes é a Women Mobilize Women, ação global que tem como objetivo incentivar que as mulheres sejam protagonistas do desenvolvimento das cidades. Como ressalta Eveline Trevisan, coordenadora de Sustentabilidade e Meio Ambiente da BHTrans – eleita uma das Vozes Feministas Notáveis no Transporte em 2023 (premiação no âmbito do Women Mobilize Women) –, as cidades são historicamente planejadas por homens e o primeiro passo para um sistema de transporte feminista é compreender que a maioria das mulheres se desloca de forma muito diferente da maioria dos homens.
Nas palavras de Eveline, as mulheres fazem deslocamentos muito mais diagonais e entrecortados. Algo muito característico do deslocamento feminino é a mobilidade ativa, ou a pé, e precisamos de calçadas mais seguras. Mulheres negras que vivem nas periferias são as mais afetadas negativamente pela forma como as cidades foram construídas no passado. É muito comum que os deslocamentos das mulheres nas cidades sejam moldados pelo medo, lembra Kelly Fernandes, assessora técnica da GIZ pelo programa EUROCLIMA+ – o principal programa de cooperação da União Europeia com a América Latina sobre sustentabilidade e mudanças climáticas -, e ponto focal no tema de diversidade na mobilidade urbana.
Pessoas do sexo feminino são as maiores vítimas de violência e importunação sexual no transporte público coletivo e ativo. Nos últimos anos, campanhas de algumas cidades, como São Paulo e Fortaleza, para divulgar canais de denúncias nos transportes, fizeram aumentar o registro de ocorrências, encorajando mulheres a denunciar e acuando importunadores. Ruas mais iluminadas, mobiliários urbanos que dificultem que os assediadores se escondam atrás deles, e calçadas em melhor estado são essenciais para tornar a mobilidade nas cidades mais segura para as mulheres.
Kelly e Eveline também destacam que o deslocamento feminino está muito ligado ao papel de cuidado que culturalmente é atribuído às mulheres. Para além da sobrecarga por causa da não divisão ou divisão desigual do trabalho doméstico e de cuidado da família, elas também são as maiores prejudicadas pelo crescimento do número de veículos em circulação nas vias e consequente aumento do tempo de viagem total. Políticas públicas de transporte com foco na criança devem ser pensadas levando em consideração o impacto desigual no público feminino, porém de forma ainda a superar os estereótipos de gênero no exercício do cuidado familiar. A integração de modais com pagamento de bilhete único é importante para não afetar desigualmente a renda delas.
Para trilhar uma transição justa é preciso aproveitar a mudança de matriz energética das frotas de ônibus, de diesel para elétrica, para também transformar a forma como as mulheres se deslocam. Analisando as questões de gênero nas pesquisas que antecedem as mudanças, bem como as questões raciais e de renda, com um olhar interseccional entre essas variáveis – e ampliando assim a coleta de dados no Brasil. Os novos empregos que surgem neste processo devem ser ocupados por motoristas mulheres e especialistas em transporte público.
Ao longo dos últimos meses, a TUMI E-Bus Mission realizou juntamente com nosso parceiro UITP, treinamentos online com foco na diversidade e inclusão no transporte público, onde foram debatidos os benefícios do desenvolvimento de sistemas de transporte público inclusivos. A capacitação enfocou tanto as esferas da operação de transporte público quanto a implantação de projetos de ônibus elétricos, e proporcionou às pessoas participantes um espaço de aprendizado e intercâmbio. Estudos de caso bem-sucedidos e exemplos de boas práticas foram apresentados e as pessoas se envolveram em discussões sobre diversidade e equidade de gênero no setor de transporte. A capacitação foi uma ótima oportunidade para construir estratégias organizacionais em prol da inclusão. Os resultados vão beneficiar a todas as pessoas.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Com mais de 14 anos de experiência no setor de energia para o desenvolvimento sustentável exerce atualmente o cargo de Management Head da Transformative Urban Mobility Initiative (TUMI) pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ).