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REPASSES AUTOMÁTICOS DE RECURSOS FEDERAIS PARA O SANEAMENTO BÁSICO

A importância dos fundos públicos em um contexto de endividamento e escassez de emendas parlamentares

Empréstimos tomados junto à Caixa, ao BNDES ou outros agentes financeiros (recursos onerosos) não estão disponíveis para diversos municípios brasileiros endividados, que não conseguem cumprir as exigências dos agentes financeiros e do governo. 

No âmbito do novo Marco Legal do Saneamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) enfrentou essa questão, ponderando que se por um lado a restrição de acesso a recursos onerosos por conta dos limites de endividamento produz consequências negativas sob a ótica das demandas do setor, por outro deve-se reconhecer a importância do controle do endividamento público, cuja inobservância poderia acarretar consequências danosas do ponto de vista macroeconômico (Acórdão 695/2022-Plenário). 

Esse problema existe pelo menos desde a década de 1990, no âmbito do programa Pro-saneamento, criado para operar recursos do FGTS [1]: 

“(…) os pré-requisitos das fontes onerosas são mais abrangentes e complexos que os vigentes nas fontes do Orçamento Geral da União (OGU), o que dificultava o acesso de estados e municípios mais pobres ou tecnicamente despreparados aos recursos do programa. Dessa forma, os critérios financeiros básicos de acesso ao programa – capacidade de endividamento, situação fiscal regular e disponibilidade de contrapartida –, geravam um processo de alocação que era regional e socialmente regressivo, justamente em uma política que demandava fortes investimentos nas áreas mais carentes e nos municípios mais pobres”. (grifo nosso) 

Além disso, as transferências especiais provenientes da Emenda Constitucional 105/2019, repassadas diretamente ao ente federado beneficiado, sem finalidade definida e independentemente de celebração de convênio ou de instrumento congênere, não têm sido disponibilizadas substancialmente para obras públicas de saneamento básico. 

Em 2021, por exemplo, de um total de mais de R$ 33 bilhões de emendas parlamentares, além de 47% desse valor ser destinado à saúde, aproximadamente 24% foram destinados a urbanismo, especialmente a duas ações orçamentárias: 1) apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado (aquisição de equipamentos para apoio à produção, como trator e implementos, grade agrícola e caminhão) e 2) apoio à política nacional de desenvolvimento urbano voltado à implantação e qualificação viária (especialmente pavimentação de ruas), conforme dados do Portal Siga Brasil. 

Percebe-se que ambas são ações com recursos bilionários provenientes de emendas parlamentares que geram benefícios no curto prazo, compatíveis com o ciclo político, mas em prejuízo à destinação de recursos federais para os investimentos plurianuais da política nacional de saneamento básico

A bem da verdade, políticas públicas nas quais o enforcement federal é mais forte, sobretudo se realizado por incentivos estáveis, como ocorre na área da saúde, se traduzem em menor heterogeneidade nos atributos de capacidades estatais locais[2]. 

No SUS, em que há planejamento setorial expressivo, o repasse “fundo a fundo” é a modalidade de transferência intergovernamental preferida pelos gestores. Trata-se de mecanismo que tem as seguintes vantagens[3]: 

“No que diz respeito ao quesito independência de fatores políticos, há alta independência nas modalidades fundo a fundo (cuja fórmula de partilha é preestabelecida e transparente), sendo baixa a independência nas transferências de convênios e nas transferências do novo módulo de investimentos, ambas voluntárias e decorrentes de negociações com o Ministério da Saúde […] As transferências fundo a fundo têm baixa flexibilidade para absorção de choques, pois são despesas obrigatórias do Ministério da Saúde e não podem ser restringidas em momentos de necessidade de ajuste fiscal, enquanto as transferências voluntárias de convênios e para investimentos têm maior flexibilidade para ajuste orçamentário”.

Contudo, apesar da indissociabilidade entre saúde e saneamento básico, no Brasil expressa na definição constitucional (artigo 200, inciso IV) de que ao SUS compete “participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico”, a Resolução 322/2003 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Lei Complementar 141/2012 definiram que não se constituiriam despesas com ações e serviços públicos de saúde as decorrentes de saneamento básico, inclusive quanto às ações financiadas e mantidas com recursos provenientes de taxas, tarifas ou preços públicos instituídos para essa finalidade. 

Por outro lado, a política nacional de saneamento dispõe desde 2007 que os entes da federação, isoladamente ou reunidos em consórcios públicos, podem instituir fundos (art. 13 da Lei 11.445/2007) – estratégia tradicionalmente não priorizada no setor de saneamento[4]: 

“A constituição de fundos especiais de universalização dos serviços de saneamento básico, conforme as diretrizes da Lei 11.445/2007 (artigo 13), é uma alternativa desejada pelo setor há muito tempo, mas cuja materialização em larga escala ainda parece longe de se concretizar. (…) Nos casos de gestão associada ou de prestação regionalizada, esses fundos também podem ser instrumento adequado, estratégico e eficiente, para operacionalizar a política de subsídios tarifários e fiscais, em especial os subsídios tarifários cruzados entre as localidades integrantes desses arranjos institucionais e administrativos”.

Diante das dificuldades para obtenção de recursos onerosos, da falta de recursos provenientes de transferências especiais e dos desafios políticos para implementação do novo marco legal, regras estáveis para repasses automáticos de recursos federais, em moldes similares ao que ocorre nas transferências “fundo a fundo” do SUS, podem ser parte da solução para a universalização dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil.

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Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU


[1] ARAÚJO FILHO, Valdemar; REGO, Paulo A.; MORAIS, Maria da Piedade. Condicionantes Político-Institucionais da Política de Saneamento Básico no Contexto Federativo: uma avaliação do desempenho da política nos Governos de FHC e de Lula (1995-2009). 36º Encontro Anual da ANPOCS. Águas de Lindoia/SP, 2012. 
[2] GRIN, Eduardo José; DEMARCO, Diogo Joel; ABRUCIO, Fernando Luiz (Organizadores). Capacidades estatais municipais: o universo desconhecido no federalismo brasileiro. Editora da UFRGS/CEGOV. Porto Alegre, 2021 
[3] MENDES, Marcos; MIRANDA, Rogério Boueri; COSIO, Fernando Blanco. Transferências intergovernamentais no Brasil: diagnóstico e proposta de reforma. Consultoria Legislativa do Senado Federal, Texto para discussão 40. Brasília, abril de 2008. 
[4] MCIDADES. Secretaria Nacional de Saneamento ambiental do Ministério das Cidades. Panorama do saneamento básico no Brasil. Investimentos em saneamento básico: análise histórica e estimativa de necessidades. Brasília, 2014.

Fonte: Jota

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