Especialistas e autoridades ligadas ao setor de saneamento afirmaram que é possível aperfeiçoar o marco legal do saneamento básico, mas que a prioridade do país será evitar retrocessos que dificultem a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033. Nesta quarta-feira (8), eles participaram da abertura do evento “Universalização do Saneamento – Novo Marco Legal”, iniciativa preparatória à conferência e ao prêmio P3C, que devem ser realizados nos dias 27 e 28 de fevereiro. A organização é da Necta, com apoio da B3 e da Portugal Ribeiro Advogados.
Mais de 100 milhões de brasileiros não têm coleta e tratamento de esgoto e 35 milhões não têm acesso à água potável, de acordo com o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Segundo Jerson Kelman, professor de recursos hídricos na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), uma das principais causas do fracasso de políticas públicas no Brasil é a descontinuidade delas devido a mudanças na administração pública. Desde a vitória eleitoral do presidente Lula, há pressões de parte do setor, ligada a empresas públicas, para que sejam feitas mudanças no marco legal.
O especialista lembrou que o marco legal foi aprovado em 2020 e que tem chance de resolver a falta de acesso dos brasileiros a água e esgoto tratados. Por isso, diz que não é preciso rediscutir o modelo que facilita maior participação da iniciativa privada para garantir o cumprimento das metas de universalização. “É evidente que o Tesouro é incapaz de prover os investimentos necessários para chegar à universalização. Nós temos um problema fiscal. O aporte de investimentos privados seria bom.”
Velocidade
Karla Bertocco, sócia da Mauá Capital, lembrou que o novo marco legal do saneamento estabelece que, até 2033, 99% da população brasileira deverá ter acesso à água tratada e 90% à coleta e tratamento de esgoto. Ela considera as metas de universalização conquistas das quais o país não pode abrir mão.
“O ano de 2033 está logo ali. Dez anos não são suficientes para fazer todo o investimento para avançar o que a gente precisa quando você olha para a velocidade do passado. A gente vê o marco como uma forma de ganhar velocidade para alcançar essas metas, porque parece inimaginável os habitantes do país um dia a mais sequer do que isso.”
Um dos organizadores do evento, o advogado Mauricio Portugal Ribeiro afirmou que a manutenção do marco legal do saneamento básico é questão central para o país e que, sem essa legislação, a universalização dos serviços não será possível. “Os efeitos do ponto de vista de saúde pública e ambiental são muito importantes. O novo marco legal é uma conquista da sociedade brasileira. Apesar de ter sido aprovado no governo anterior, não é uma pauta só do governo anterior, mas da sociedade brasileira”, destacou.
Espinha dorsal
A presidente do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, defendeu que a “espinha dorsal” do marco não seja alterada, porque dela depende a universalização dos serviços de saneamento, a melhoria de vida dos mais pobres e, também, do meio ambiente. “A gente fala de um programa de inclusão social. A universalização poderia tirar 37 milhões de pessoas da pobreza. É um grande programa, que não depende de governo a, b ou c. Vamos deixar de lançar 5.500 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento na natureza.”
O sócio da GO Associados e doutor em economia, Gesner Oliveira, sugeriu que a sociedade civil crie uma organização para acompanhar de perto a implementação do marco no país. “Talvez deveríamos organizar um grupo de pessoas para contribuir de forma sistemática, avançar onde for possível, evitar retrocessos e, principalmente, colocar esse debate na opinião pública.”
Paixões ideológicas
Mario Engler Pinto Jr., presidente do conselho de administração da Sabesp, ressaltou que o debate em torno do saneamento básico deve deixar de lado as paixões ideológicas e o corporativismo. Somente assim será possível desenvolver o setor, avalia.
“A discussão séria, por especialistas, de quem realmente quer fazer acontecer esses objetivos, tem que deixar de fora isso, porque se esse for o drive da discussão, o risco de não se chegar a bons resultados é muito grande. Ideologia e corporativismo não podem guiar qualquer ideia de mudança no novo marco legal.”
Já o presidente da Sanasa (Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento), de Campinas, Manuelito Pereira Magalhães Jr., destacou que é preciso pensar o saneamento em harmonia com outras mudanças que estão ocorrendo. “Precisamos engajar o saneamento na transição climática, na transição energética e também na transição digital. O saneamento não é à parte do mundo. Precisamos olhar para o saneamento como podemos fazer dele instrumento de adaptação a essa nova realidade.”
Fonte: Agência Infra