Bairros sem carros ainda pertencem a um futuro distante, mas existem outras alternativas que privilegiam as pessoas
Uma das certezas de quem vive na cidade de São Paulo é que, inevitavelmente, em um momento ou outro, você vai se irritar com o trânsito. Não é para menos: um levantamento da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), com dados do IBGE de 2021, indicou que o Estado possui 31,4 milhões de veículos – o equivalente a 33% dos automóveis do País.
Gerir esse universo de pessoas motorizadas, que precisam se locomover diariamente, não é tarefa fácil. O tema, que aparece com frequência nos debates políticos, foi fundamental para definir as diretrizes do Plano Diretor e impulsiona transformações constantes nas dinâmicas sociais. Uma possibilidade ventilada para melhorar esse fluxo, característico das grandes cidades, é a criação de bairros sem carros, mas o movimento, por aqui, ainda é incipiente.
“É importante entender que uma via pública utilizada majoritariamente por automóveis é um espaço público subutilizado. A mesma rua, se for usada inteiramente por pedestres, ciclistas ou ônibus, beneficia um número muito maior de pessoas”, aponta Marcos Kiyoto, consultor em planejamento urbano e mestrando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Com base nessa perspectiva, já surgiram iniciativas como os corredores exclusivos e os calçadões.
Alternativas
Os calçadões são espaços urbanos, geralmente associados aos centros comerciais, em que os carros foram banidos ou os pedestres têm prioridade na circulação. A intervenção é conhecida da população brasileira, ainda que de forma tímida. Em São Paulo, por exemplo, é possível encontrar essas formações em ruas pontuais do centro histórico da capital, como nas ruas José Bonifácio e Quintino Bocaiúva.
Segundo Kiyoto, para que esse tipo de medida passe a ser adotada de forma mais abrangente, é necessário haver uma priorização política, mas isso encontraria grande resistência na população. “Por mais que, tecnicamente, existam benefícios, a opinião pública tende a se opor a uma mudança de modelo, cujos resultados ainda são desconhecidos”, justifica.
Menos automóveis, mais passos
Os carros respondem por 72,6% da emissão total de gases do efeito estufa, enquanto transportam apenas 30% da população, de acordo com o Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município (Cetesb) de São Paulo, divulgado em 2017. E essa é apenas uma das motivações para quem defende uma menor participação dos automóveis na rotina das cidades.
“Além da baixa eficiência energética e o desperdício de espaço urbano, destaco os desafios de segurança, saúde, poluição e mortalidade”, enumera o especialista. Ainda que alguns problemas possam ser amenizados, outros são inerentes aos carros. “Não vejo nenhuma solução saudável e segura para as cidades, sem que haja redução no uso de automóveis e ampliação de alternativas como transporte coletivo e a pé”, direciona.
Para ele, o caminho não passa, necessariamente, pela criação de bairros sem carros, mas sim pelo incentivo aos demais modais. “É uma ideia interessante como provocação e para a abertura dessa discussão; porém, a medida me parece pouco efetiva, em termos globais”, diz. “Se for aplicada em apenas um bairro, os moradores podem ter limitação de acesso aos demais locais da cidade”, comenta.
A solução seria, então, estender o sistema de transporte coletivo a toda cidade para que o morador dessas localidades consiga acessar oportunidades de emprego, lazer, educação e saúde em outras regiões, de acordo com Kiyoto. “Não acho que seja utopia, mas, enquanto for uma ação pontual, restrita, acaba servindo só como um piloto”, apresenta.
Na visão do urbanista, é difícil transformar o conceito de bairros sem carros em realidade, em um futuro próximo, por causa da cultura de uso do automóvel como principal meio de deslocamento. “Uma mudança cultural demanda tempo para acontecer, provavelmente décadas. Portanto, é importante discutir a redução no uso dos automóveis, não necessariamente eliminar sua existência.” (B.D.)
Em Barcelona, na Espanha, proibição do trânsito de veículos estimula a mobilidade ativa. Foto: Getty Images
Moderação de tráfego
Grandes cidades como Nova York, Tóquio e Barcelona adotaram iniciativas de acalmamento do tráfego em algumas regiões da cidade. São locais onde os automóveis não são proibidos, mas têm sua velocidade restringida em benefício dos pedestres.
Entre as ações para alcançar esse objetivo estão o estreitamento das faixas de circulação de carros, elementos de bloqueio e redutores de velocidade.
No Brasil, esse tipo de intervenção já é visto em cidades como Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Guarulhos e São Paulo.
Fonte: Mobilidade Estadão