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PENSAR A MOBILIDADE DE MULHERES: UM PROCESSO SENSÍVEL

Nathalie Prado
Nathalie Prado
Coordenadora na Cidade Ativa, atua em projetos relacionados à mobilidade urbana sustentável e espaços públicos, com ênfase em grupos vulnerabilizados e suas experiências. É Arquiteta e Urbanista, com mestrado focado em mobilidade a pé através das lentes de gênero e interseccional. Cursa master em Desenvolvimento Urbano e Territorial.

Apesar das discussões de gênero terem se tornado mais frequentes e ganhado espaço no campo da mobilidade urbana, questões que caracterizam os deslocamentos de mulheres ainda são insuficientemente consideradas no planejamento. 

A vida urbana é complexa, e a presença de mulheres no espaço público está em constante mudança. Nas dinâmicas por aceder à cidade, a mobilidade se revela um componente que contribui para reforçar desigualdades pré-existentes entre gêneros, ainda que seja um meio de emancipação. Ao ocupar a rua, especialmente através dos deslocamentos a pé, mulheres implementam estratégias variadas como mecanismo de subversão e respostas às qualidades do espaço público. Historicamente, as ruas negligenciaram a presença delas e, por isso, trazer luz às problemáticas da infraestrutura de deslocamento e organização urbana partem do entendimento do contexto subjetivo, de fazer visível as experiências das mulheres no planejamento para que estas experiências sejam mais seguras e equitativas.

Por um longo tempo, a mobilidade de mulheres não foi objeto de muita atenção nos estudos urbanos. As razões são variadas: não bastassem as diferenças na construção social sobre os gêneros terem repercutido nas relações de poder que se desdobram e se manifestam no espaço; a dominação de homens no planejamento e produção do espaço urbano sustentou particularidades destes contextos como, por exemplo, a desincorporação da vida cotidiana destes movimentos. Não menos importante, também é tardia a incorporação da noção de que nem todas as mulheres se movem da mesma forma – uma vez que as opressões de gênero trazem camadas adicionais que configuram as formas de experienciar a vida urbana através de marcadores sociais como raça, classe social, idade, orientação sexual, diversidade funcional, religião e outros. E apenas mais recente está a aproximação com estudos e discussões de contextos socioespaciais mais próximos aos brasileiros, como os latino-americanos, rompendo com uma tradicional e exclusiva correlação apenas via fontes estadunidenses e européias. 



Esta aproximação chama a atenção para padrões, obstáculos, restrições e facilidades mais específicas serem facilmente conectadas aos encontrados nos diferentes contextos do nosso território, ainda que não sejam exclusivos a eles, como a tendência de viagens mais curtas e lentas ainda que mais complexas e limitadas. São complexas porque as mulheres tendem a realizar várias atividades durante um único deslocamento, relacionadas à logística da vida cotidiana, especialmente voltadas ao cuidado familiar (jovens ou idosos). Esse padrão pode significar um raio de deslocamento menor em relação a de um homem, que tradicionalmente não é quem realiza tais atividades, uma vez que as mulheres acabam favorecendo modos de deslocamento como o a pé e transporte público, por uma série de questões. 

Posto todo este conjunto, identificar as estratégias utilizadas pelas mulheres durante os deslocamentos cotidianos, considerando os diferentes perfis e tendências de mobilidade, configura uma alavanca necessária na implementação de novas práticas no campo do planejamento urbano. Pensar, por exemplo, nos deslocamentos que podem não se realizar pela sensação de insegurança ao circular por algum lugar; pela mudança de trajeto ou modo de deslocamento pela falta de conexão entre espaços ou equipamentos urbanos de interesse; pela possibilidade de uma mulher ainda cogitar evitar um trajeto pela roupa que veste, por medo do assédio sexual que pode sofrer; ou ainda por deixar de frequentar espaços públicos com seus filhos pela falta de equipamentos de apoio, reforçando os limites existentes entre os espaços públicos e privados e possibilidade de transposição deles. 

Estas diferentes perspectivas, com novos olhares menos centrados nas tradicionais abordagens, revelam-se como processo para denunciar questões que não estão presentes nos tradicionais dados sobre mobilidade urbana. Processos esses que devem ser desdobrados em rigorosos percursos metodológicos envolvendo criatividade e inovação. Isso significa encontrar os desafios da mobilidade de mulheres onde ela não é necessariamente óbvia, começando pela mobilidade que não aparece nos dados ou a que não acontece por alguma razão específica. É construir um retrato da mobilidade que considera abordagens quantificadas, priorizando especificidades individuais. É saber como interpretar os resultados, trazer um ponto de vista interessado na estrutura da abordagem. É ter em conta como questões de diferentes mulheres salientam problemáticas coletivas, que podem se estender ou até mesmo responder a desafios de outros grupos sociais.

Olhar para o que caracteriza a mobilidade de mulheres e como elas respondem às condições do ambiente exige comportamentos e ações diferentes para o planejamento urbano. Este é um lembrete de que há ainda muito por fazer. 

As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities  

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