Através de uma linguagem simples e clara é que conseguimos, muitas vezes, alcançar as pessoas, fazer as mudanças necessárias e inovar na área pública.
A pandemia de Covid-19 exigiu (e continua exigindo), mais do que nunca, que os governos se comuniquem com as pessoas de maneira clara, simples e direta. Como o vírus é relativamente novo e informações surgem a todo momento, é importante que a população seja constantemente atualizada sobre a melhor maneira de se defender da doença e lidar com seus efeitos.
No Brasil, este desafio de comunicação é ainda maior. Segundo levantamento realizado pela organização não-governamental Ação Educativa, nada menos do que três em cada dez brasileiros são considerados analfabetos funcionais. São pessoas incapazes de ler e interpretar um texto simples. Imaginem como esses cidadãos e cidadãs lidam com termos como EPI, lockdown, comorbidade.
Além disso, percebemos que não é só na pandemia que as pessoas têm dificuldade de comunicação com a área pública. Muitas vezes a linguagem utilizada não ajuda (e até atrapalha).
Neste sentido, é importante deixar claro que nem sempre é através da tecnologia que conseguimos inovar. Neste caso, é através da linguagem. Através de uma linguagem simples e clara é que conseguimos, muitas vezes, alcançar as pessoas, fazer as mudanças necessárias e inovar na área pública.
Foi por saber que a dificuldade de comunicação prejudica justamente as pessoas mais vulneráveis da população brasileira e aumenta a nossa já gravíssima desigualdade que, como vereador na cidade de São Paulo, apresentei o projeto de lei que cria a Política Municipal de Linguagem Simples. Aprovada e sancionada pelo prefeito Bruno Covas, a Lei n. 17.316, de 6 de março de 2020, instituiu a Política Municipal de Linguagem Simples.
O objetivo da Política é garantir que a administração pública municipal utilize uma linguagem simples e clara em todos seus atos, possibilitando que as pessoas consigam entender as informações da prefeitura e reduzindo a necessidade de intermediários entre o governo e a população.
Ao propor a simplificação da linguagem utilizada pelo governo, a Política Municipal de Linguagem Simples também busca reduzir os custos operacionais do atendimento ao cidadão e à cidadã. É muito mais rápido e efetivo atender as pessoas quando elas conseguem entender a informação que os atendentes precisam transmitir.
Outra dimensão muito importante da Política de Linguagem Simples é a promoção da transparência e do acesso à informação pública de forma clara, de modo a facilitar a participação e o controle da gestão pública pela participação. Em uma época com tantas ameaças autoritárias, é preciso que a linguagem seja usada como uma ferramenta capaz de aproximar, incluir e libertar quem depende dela para resolver suas demandas e discutir as grandes questões de sua comunidade.
A Lei n. 17.316/2020 prevê também algumas diretrizes para os atos da administração municipal, tais como o teste da linguagem com o público alvo – afinal, o que é simples para uma advogada pode não o ser para um motorista de táxi; o uso de linguagem amigável e respeitosa; o uso de linguagem adequada às pessoas com deficiência; a necessidade de evitar siglas desconhecidas e termos estrangeiros.
Ao propor a criação da Política de Linguagem Simples nos inspiramos em iniciativas como as dos governos dos Estados Unidos e da Colômbia. A lei americana, por exemplo, desde 2010 obriga todos os órgãos federais a usarem linguagem simples na redação de documentos. Seu texto, também bastante simples, determina que “é preciso promover uma comunicação que o público possa entender e usar”. No Brasil, projeto semelhante está sendo adotado pelo governo do Ceará e começou a ser discutido na Câmara dos Deputados.
Chega de usar a linguagem e as comunicações dos órgãos públicos para promover mais desigualdade e exclusão. A linguagem simples deve ser usada não apenas para informar a população, mas também para aproximá-la do governo, derrubando barreiras que nunca deveriam ter sido construídas e que só resultam em serviços públicos de pior qualidade. Já passou da hora da administração pública falar a língua das pessoas a quem ela serve.
Com informações da Assessoria de Imprensa
Daniel Annenberg é formado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Foi um dos idealizadores do Poupatempo, e seu superintendente por quase 10 anos; ex-diretor-presidente do Detran-SP, ex-Secretário Municipal de Inovação e Tecnologia e atualmente é Vereador pela cidade de São Paulo.