O setor de transportes, por meio do escapamento dos carros, é atualmente a maior — mas não a única — fonte de poluição nas grandes cidades
A imagem de uma chaminé poluindo o ar faz parte da memória coletiva, onde a poluição do ar era visível e tinha nas chaminés industriais seu grande vilão, até hoje Cubatão é lembrada por conta das indústrias ali instaladas e da alta concentração de poluentes. Entretanto, o controle da emissão das chamadas fontes fixas avançou muito, com tecnologia e sistemas de licenciamento ambiental, que conseguiram mitigar as emissões dessas fontes. Interessante notar também que pela conjunção de diversos fatores as grandes cidades repeliram as indústrias, especialmente das regiões centrais. Então, por que as cidades ainda são tão poluídas? O setor de transportes, por meio do escapamento dos carros, é atualmente a maior — mas não a única — fonte de poluição nas grandes cidades, porém a fumaça já não é tão visível. Os carros se tornaram protagonistas na paisagem urbana, fruto de cidades espraiadas com regiões centrais que concentram ofertas de emprego, estudo e lazer; e grandes áreas periféricas predominantemente residenciais. Ademais, há um déficit de oferta de transporte público de qualidade e de incentivo aos transportes ativos que estimule a transferência modal do carro para meios menos poluentes.
É notório o desequilíbrio do espaço público para o transporte sustentável: poucas faixas dedicadas a uso exclusivo para ônibus, calçadas estreitas, inexistência de ciclovias na maior parte das ruas e falta de campanhas para redução de velocidades e proibição do estacionamento nas vias. Nos últimos anos observou-se um crescimento do uso de aplicativos de compartilhamento de carro, entretanto, a maioria de suas viagens é feita por um único passageiro, e o sistema permanece alicerçado na lógica pouco sustentável no uso de carro —pode haver uma otimização do uso, mas ainda se fica preso ao mesmo modal.
Quando se pensa em reduzir a poluição do ar de uma cidade é inevitável que a solução não passe pela melhoria do transporte público e ativo. Trens e metrôs são estruturadores da cidade e já usam tecnologia limpa, são os meios que deveriam ser priorizados. Os chamados transporte de alta capacidade auxiliam na organização do uso do solo, à medida que podem transportar com qualidade um número muito maior de passageiros com eficiência. Já os transportes ativos, muitas vezes subestimados para grande parcela da população, embora não tenham como ser o único meio de transporte, quando combinados a outros modais se mostram mais eficientes, para isso precisamos estimular a intermodalidade, criando infraestruturas adequadas para ciclistas e pedestres, como por exemplo bicicletários integrados a estações de trens, metrôs e terminais de ônibus. Com isso as primeiras e últimas “pernas” da viagem podem ser substituídas de um modo motorizado para um modo ativo.
Entretanto, sabemos que a realidade da maioria das cidades brasileiras tem no ônibus seu principal meio de transporte, e esses são a fronteira imediata a ser qualificada. A tecnologia elétrica já não é mais disruptiva e promessa, é realidade. Há desafios a serem sanados para sua completa implantação, mas precisamos acelerar essa mudança, conferindo maior qualidade de serviço ao usuário e reduzindo massivamente emissões de poluentes locais e de gases do efeito estufa.
Ações afirmativas no transporte sustentável trazem redução imediata na poluição do ar, contudo a qualidade do ar em si precisa ser levada mais a sério. A comunicação sobre a qualidade do ar que respiramos é falha, os parâmetros que adotamos são inferiores aos preconizados pela Organização Mundial da saúde, ou seja, somos mais permissivos em aceitar maior concentração de poluentes e finalmente em boa parte do país não temos informações sobre as condições do ar que estamos respirando pela falta de uma rede de monitoramento.
Precisamos evoluir nos padrões aceitáveis em termos de qualidade do ar, na rede de monitoramento e na restrição à emissão de poluentes sejam eles veiculares, industriais, oriundos de queimadas, usinas termoelétricas entre outras fontes. Além disso, é necessário garantir uma comunicação robusta sobre a perigosa exposição da população à poluição do ar e seus impactos na saúde humana. Todas as fontes emissoras citadas têm uma alternativa menos poluente e mais sustentável, é preciso movimentação política e engajamento da população, precisamos que pessoas cobrem os tomadores de decisão para que haja mudança. O problema da poluição do ar é cotidiano, um inimigo invisível que enfrentamos, não obstante os mesmos gases que poluem o ar provocam e aceleram o aquecimento global que já tem dado demonstração de que não é um problema futuro, já estamos enfrentando uma emergência climática. Cabe a todos, sociedade civil, governantes, tomadores de decisão e a população dar o devido senso de urgência ao problema.
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Marcel é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Planejamento e Gestão de Território pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Entre suas experiências profissionais, trabalhou com a coordenação de grandes projetos na área de planejamento urbano, transporte e mobilidade com equipes multidisciplinares. De 2009 a 2016, Marcel atuou como desenvolvimento de estudos de transporte dentre eles, Planos Diretores e de Mobilidade. De 2016 a 2018, trabalhou no Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) com a gestão e coordenação técnica dos produtos previstos do programa de mobilidade urbana de baixo carbono fruto da parceria entre Ministério das Cidades e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) . No iCS, ele coordena o portfólio de transportes, monitorando projetos relacionados à mobilidade urbana, fomentando o conhecimento e o debate sobre transportes de baixo carbono, além de explorar as interfaces entre qualidade do ar e saúde com as políticas e tecnologias de transporte.