Quando trabalhamos grandes temáticas em pastas segregadas, e não enquanto agendas inter-relacionais constituídas em todas as pastas de interesse, ampliamos o desafio de captar a visão holística da realidade experimentada
Segundo a complexidade de desafios socioambientais compartilhados e de hierarquização de perfis participativos na organização social, a visão fracionada da realidade, no contexto local e global, perpetua modelos de exclusão.
Quando trabalhamos grandes temáticas como desigualdade de gênero, racismo estrutural, capacitismo e LGBTQIA+fobia em pastas segregadas, e não enquanto agendas inter-relacionais constituídas em todas as pastas de interesse, ampliamos o desafio de captar a visão holística da realidade experimentada. O mesmo acontece quando tratamos, por exemplo, temáticas como desenvolvimento sustentável, meio ambiente e impacto social, desassociados às estratégias e operações de negócios ou dentro de políticas governamentais.
MUDANÇA CULTURAL
Uma mudança cultural de perspectiva de análise do contexto social vivido é necessária, mas sem pular etapas. O reconhecimento de formas de exclusão instituídas em nossa sociedade, assim como sua manutenção, é o primeiro passo. A naturalização de lógicas de ação social a partir de perfis idealizadas de sucesso, sendo que tudo que foge desse padrão instituído é tratado como “o outro”, de forma gradativa, guia a construção de perfis e papéis sociais com diferentes tipos de validações de pertencimento.
Um paralelo análogo é possível com a lógica de mercado, onde a visão antiga coloca o lucro e o desenvolvimento de negócio como o foco principal de toda a instituição, com prejuízos localizados em contextos ambientais e sociais como efeitos colaterais. Essa lógica orienta a formação cultural projetada, interferindo na produção identitária perpetuada via socialização e traduzida como forma de enxergar o mundo.
DESIGUALDADES
Em contextualização à desigualdade de perfis dentro do ecossistema de inovação, segundo o Mapeamento de Comunidades 2020 da ABStartups (https://abstartups.com.br/comunidades/), é possível observar quatro tipos de perfis subjugados em empresas inovativas tecnológicas, sendo eles: de gênero, de orientação sexual, de pessoas negras e com deficiência.
59,2% dos fundadores únicos de startups são homens, sendo que 26,9% dos mapeados não possuem mulheres nas equipes e apenas 15,1% declararam equivalência de cargos entre homens e mulheres em seus times. Existe uma predominância absoluta de autodeclarados heterosexuais, em 92,3%, com apenas 3.3% de startups com colaboradores transexuais.
49,62% de membros das equipes se autodeclara negra, sendo que a maioria absoluta do recorte é composta por homens, evidenciando ainda mais a exclusão de mulheres negras. Homens indígenas são 0,5%, e nenhuma mulher indigena foi declarada no levantamento. E ainda: 94,5% das startups não possuem pessoas com deficiência em sua composição.
INCLUSÃO INTEGRATIVA
A Governança do Futuro deve buscar a inclusão integrativa, alcançada quando houver a compreensão de que estas são demandas constituídas em os eixos fenomenológicos, e não enquanto pastas separadas, tratadas de forma excludente, progredindo para tratativas de possibilidades de acesso igual a todos os perfis.
A promoção de novos modelos de autogestão de agendas multifacetada se somam a ferramentas de acesso, como políticas afirmativas ou de qualificações específicas, que possibilitem um nível mínimo de igualdade de acesso às posições desempenhadas no mercado em outros organismos sociais e governamentais.
Quando existirem perfis representativos à densidade populacional em todos os cargos e posições disponíveis socialmente, significará uma superação parcial de sub paradigmas de exclusão, não esquecendo a demanda por uma agenda progressiva de enfrentamento à desigualdade centro-periferia, representando pelo acesso ao capital cultural e financeiro.
Sendo assim, a realidade compactada e fragmentada corresponde ao velho fazer social de praxes de composição de agenda, com efeito cosmético aos desafios sociais vividos, o que não permite o alcance de uma visão holística integrativa, que condiciona a naturalização do funcionamento social sem visão do todo, acarretando em um mecanismo de diluição sistêmica das iniciativas desenvolvidas em pastas e agendas complementares.
Diversidade e inclusão devem ser, portanto, objetivos atrelados a todas as unidades de operação e funcionamento organizacional, independente de sua esfera administrativa, enquanto de livre mercado, governamental ou social, assim como sustentabilidade e meio ambiente, dentro das estratégias de modelo e operação de negócios.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Doutora e mestre em Psicologia Social, com mais de 10 anos em Inovação Pública e Impacto Socioambiental. Fundadora da Ecossistema de Impacto e Cofundadora do Delibera Brasil. Atuou em organizações como PNUD, ENAP, Instituto Akatu e ADE SAMPA. Responsável pela criação e gestão de 7+ hubs de inovação, 12+ maratonas de desenvolvimento de soluções e 10+ programas de ideação, incubação e aceleração. Pesquisadora em Inovação Pública pela PUC/SP e parte da Conexão Inovação Pública, da Coalition for Digital Environmental Sustainability/ONU e da Rede de Advocacy Colaborativo. Conselheira Potências Periféricas e Instituto InovaBR. Mentora ABStartups, BrazilLab, s-lab e Sebrae.