O bem-estar social e a participação popular através da interatividade e do uso de ferramentas tecnológicas de livre acesso
Sempre que possível, aproveito meu tempo livre com meu filho de três anos, entre as atividades recorrentes estão as brincadeiras em uma praça perto de nossa casa. Nós dois já fazemos parte do grupo da praça e sempre reencontramos figuras recorrente, entre elas está a senhora Maria Geralda, também moradora da região de Venda Nova, em Belo Horizonte, que, neste dia específico, estava bastante incomodada: ao seguir com o neto para a praça que fica em frente a sua casa, notou que um galho da grande paineira que fica no meio do jardim, estava bastante inclinado, a ponto de se romper e vir ao chão, onde as crianças poderiam estar brincando. Logo ela comentou: “Deve ter sido a ventania dessa noite”. Devendo estar nos seus mais de 70 anos, dona Maria Geralda demonstra que a sabedoria da idade também se manifesta na surpreendente habilidade em lidar com a tecnologia. Logo pegou o celular na bolsa, tirou uma foto, entrou no aplicativo da Prefeitura de Belo Horizonte e fez uma solicitação de serviço, incluindo ainda a foto da árvore com iminente risco de queda.
Não sabia a minha amiga de parquinho que uma das minhas atividades é a gestão da tecnologia que possibilita este tipo de acesso. Fiquei especialmente interessado no caso, era uma oportunidade de presenciar um cenário de uso sem interferências de qualquer natureza.
Chamou minha atenção a velocidade com que o problema foi encaminhado para prefeitura, que através do acesso a foto, demonstrando a urgência de providência, efetuou a poda em tempo recorde, talvez pelo risco iminente de um possível acidente. Mas, inédito, no entanto, foi a forma como tudo isso se deu: o uso de uma plataforma digital.
Apesar do foco deste artigo estar na interatividade e participação do cidadão na gestão de uma cidade, existe um desafio, muitas vezes oculto, que sem sua implementação este caso poderia não ter um final tão feliz ou uma solução tão rápida: a modernização de todos os processos e fluxos de trabalho que ocorrem para uma demanda desta natureza acontecer, assim como capacitação das pessoas envolvidas, habilidade de classificação de risco e gestão, e tantos outros aspectos que ficam ocultos aos olhos do cidadão. Seria inocência imaginar que apenas o recebimento das demandas por meio digital geraria um efeito de melhoria nos prazos e processos, mas nosso foco hoje é somente a parte visível do processo.
Quando a tecnologia se transforma em um instrumento de empoderamento social e vai parar nas mãos do cidadão comum, o resultado pode ser a integração de interesses coletivos pelo bem-estar de todos. O caso da dona Maria Geralda se tornou um exemplo comum em uma grande cidade, a exemplo de Belo Horizonte, que se propõe democratizar o acesso às ferramentas virtuais, seja na oferta de internet gratuita, cursos de capacitação ou mesmo na criação de canais interativos, como o PBH App. Afinal, num mundo marcado pelas grandes mudanças e transformações, exercer direitos, cumprir obrigações, o falar, o participar, o acesso a benefícios, como princípio fundamental da vida em sociedade, ganha novo advento com a convergência tecnológica.
Atualmente, somos quase 4 bilhões de pessoas conectadas em todo o mundo, compartilhando informações, recebendo e produzindo dados e dando sentido aos gostos, interesses e sonhos de cada um. Mas, o fantástico é que esse exercer virtual pode produzir grandes e bons efeitos no dia a dia. Foi o que aconteceu com dona Maria Geralda. Chamamos essa experiência de Cidadania Digital.
Cidadania diz respeito à possibilidade de inferir, participar, contestar e fazer valer seus direitos e deveres civis e políticos na sociedade. Como cidadãos, no convívio social, exercermos as duas faces dessa mesma moeda: direito e o dever. No mundo tecnológico também podemos exercer direitos e deveres, fazendo do campo interativo virtual uma grande ferramenta para extensão do domínio social. O desafio, no entanto, está em utilizar de maneira apropriada esse campo de ação que, lamentavelmente para muitos, ainda é um desconhecido. Daí a importância de que gestores públicos encontrem formas de promover a inclusão digital da população, em especial, aquela parcela que foi por anos renegada aos benefícios do estudo, do trabalho e das condições dignas de vida. Afinal de contas, o momento atual coloca a tecnologia em todas as instâncias da sociedade. Mas para quem? Para o mesmo cidadão antes acostumado exercer seus direitos e deveres de maneira analógica, usando os antigos métodos para comunicar suas demandas e cobrar das autoridades a resolução de problemas que até hoje persistem.
Agora, com a tecnologia, esse universo se estende ao campo digital, numa nova cultura e forma. Aquela que o pensador e filósofo Pierre Levy chama desde o final do século passado de cibercultura e que acontece num novo campo, o ciberespaço, concebido de uma infraestrutura tecnológica e alimentado pelas mais diversas informações. É uma mudança tão monumental que Levy chama este momento de “segundo dilúvio”, como metáfora ao evento bíblico. Por outro lado, enquanto o dilúvio bíblico foi temporário, essa revolução perpetua e tende a se acelerar.
Não faz sentido se opor a esta realidade, mas entender que esse é um passo importante para a humanidade, encontrando melhores formas de adaptação, compreensão e vivência. Considerando que o cidadão digital é o mesmo sujeito de direitos, deveres, que usufrui de benefícios e tem obrigações, é preciso que também saiba o que pode ou não fazer no universo virtual. Daí levarmos em conta o debate sobre formas de exposição e segurança nas redes digitais.
No Brasil e também em outros países ainda não há uma legislação clara e precisa sobre o assunto, mas isso não impede que possamos promover o entendimento dos limites e cuidados com o uso da tecnologia.
O debate atual sobre a propagação de fake news expos a triste realidade da falta de cuidado na divulgação de notícias e informações. Aliás, falsas notícias sempre circulam e vão continuar circulando. O problema está no impulso cada vez mais acelerado do momento atual, com a popularização da tecnologia e das redes sociais, que tem dado mais velocidade na disseminação de fake news.
No universo do serviço público, a abertura de canais interativos, a exemplo do PBH App, é uma força eficaz que permite ao cidadão o acesso a resolução de demandas, sem intermediários e com contato direto e preciso sobre acompanhamento do pedido, solução e, posteriormente, avaliação de serviços, e tudo isso, dentro da normativa que determina prazos para encerramento dos pedidos. Ou seja, mesmo sem interação física, e utilizando o universo virtual, os problemas da vida cotidiana na cidade podem ter sua solução sem falseamento de informações e com a devida atenção a quem mais interessa o bem-estar social: o cidadão.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Leandro Garcia é o atual Diretor-Presidente da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) e atual Presidente da ANCITI – Associação Nacional das Cidades Inteligentes, Tecnológicas e Inovadoras. Professor de cursos de pós-graduação no Instituto de Ciências exatas e Informática da PUC Minas. Bacharel em Sistemas de Informação, pós-graduado em Gestão de Saúde Pública e em Engenharia de Software, especialista em Machine Learning e mestrando em Informática. Membro do conselho técnico-cientifico do BHTec, vice-presidente do conselho da Fundação Mineira de Software e consultor do Instituto Smart City Business América.