A vida urbana é transformada pela proliferação de novos serviços disponibilizados por meio de aplicativos ou plataformas de economia compartilhada
A cidade é um fenômeno emergente. Sua principal riqueza, a cultura, emerge das complexas relações de interação na microescala social, nas relações em Comunidade. É ali que surgem novas ideias, novos hábitos e novos valores compartilhados.
A transformação digital, por meio da telecomunicação pessoal, acelerou a produção de cultura porque aumentou o número e a complexidade das interações sociais e, também, as levou para além das fronteiras municipais: teletrabalho, relacionamentos pessoais e profissionais de longa distância impõem um novo modo de compreender e construir cidades. A pandemia só aumentou a intensidade da transformação digital.
“Cidade distribuída”
Chamo esse novo fenômeno de “Cidade Distribuída”: a cidade que cria cultura urbana conectando pessoas e organizações em diferentes municípios, regiões e países. A maior parte da população brasileira economicamente ativa está no setor terciário (comércio e serviços). A transição para uma economia de setor quaternário (conhecimento, informação e criatividade) deve acontecer nos próximos 15 anos, principalmente impulsionada pela dinâmica socioeconômica da “Cidade Distribuída”.
Esse novo meio urbano distribuído é habitado pela “sociedade em rede”, uma cultura que ao mesmo tempo valoriza a vida em vizinhança (Cidade Compacta) e está conectada globalmente (em redes “distribuídas”). Um grande desafio metodológico para os gestores públicos e os empreendedores imobiliários.
Economia compartilhada
Neste contexto, a vida urbana é transformada pela proliferação de novos serviços disponibilizados por meio de aplicativos ou plataformas de economia compartilhada: do Waze ao Uber, passando por Rappi, iFood, Pokemon Go e Tinder, os aplicativos conectam pessoas e território de maneiras inovadoras que promovem a emergência de novos hábitos urbanos.
O impacto desses serviços chega a superar a atuação dos urbanistas, gestores públicos e privados, pois transformam a vida urbana sem que haja nenhuma construção no tecido urbano ou intervenção territorial.
Além dos programadores e empreendedores que são fundamentais para a implementação desses serviços, quem os concebe e desenvolve são os “designers de interação”, e há diferenças cruciais entre a atuação destes profissionais e do urbanista. Enquanto urbanistas projetam intervenções sobre o território, os designers de interação criam novos meios de interação social, alterando as condições em que se dá a vida urbana.
Além disso, utilizam métodos diferentes: o urbanista, mesmo que acredite em algum nível de “participação popular”, tende a crer que o conhecimento de especialistas é suficiente para propor intervenções urbanas bem sucedidas; já o designer de interação propõe uma ideia relativamente pouco desenvolvida, e convida outros profissionais e, principalmente, usuários a co-criar o serviço que será oferecido.
Projeto ecossistêmico
Chamo essas abordagens diferentes de “Projeto Demiúrgico” – em referência à figura mitológica do Demiurgo, que cria o mundo a partir do nada – e “Projeto Ecossistêmico”, em que sabemos habitar um ecossistema social vivo com o qual precisamos dialogar.
Considero que os processos colaborativos criam diálogo entre esse ecossistema social e as instituições formais do governo e empresas. É o processo por meio do qual podemos desenvolver novas pautas e demandas, serviços e produtos, sistemas habitacionais, plataformas de economia compartilhada e mobilidade urbana, nos apoiando nas sofisticadas capacidades da inteligência coletiva para criar as condições em que surgirá a “economia da criatividade”.
Há uma vasta coleção de ferramentas que sabem ativar esse diálogo, tanto do design de interação e áreas filiadas, como o design de serviço, mas também do metadesign – a abordagem que desenvolvi para promover colaboração em grande escala.
É crucial que as comunidades urbanas aprendam a colaborar de modo eficaz. E cabe aos gestores públicos e empresários convidá-las a co-criar o futuro das cidades.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Head de inovação na Kyvo e fundador da Bootstrap. Arquiteto e urbanista, há mais de 25 anos pesquisa as complexas relações entre urbanidade, tecnologia, comunidades e inovação. Professor e pesquisador coordenador do grupo Cenários Urbanos Futuros (RITe-FAUUSP), além de consultor em projetos de inovação e transformação organizacional, com abordagem do Metadesign para processos de transformação cultural e urbana.