Os projetos de revitalização são frequentemente vistos como despesa em vez de investimento, mentalidade que desconsidera o quanto essas intervenções podem impulsionar novas atividades, criar postos de trabalho, movimentar o comércio e gerar retorno financeiro para os cofres público
Saber valorizar os centros históricos das nossas cidades, inserindo-os no dia a dia das pessoas para que tenham mais qualidade de vida e aproveitem todas as potencialidades desses locais deveria ser a regra entre os gestores públicos, mas, infelizmente, se mostra uma exceção. A falta de preservação e até de conexão com o entorno resulta no subaproveitamento e consequente degradação, que pode resultar em problemas de segurança e entraves à atividade econômica local. Quando propostos, os projetos de revitalização são frequentemente vistos como despesa em vez de investimento, mentalidade que desconsidera o quanto essas intervenções podem impulsionar novas atividades, criar postos de trabalho, movimentar o comércio e gerar retorno financeiro para os cofres públicos.
Há uma lista de casos em que a conversão de um imóvel ou perímetro em patrimônio histórico é quase uma condenação ao local ou seu raio envoltório. Acontece de um mesmo imóvel ser objeto de tombamento de dois ou até três instâncias (municipal, estadual e federal), cada uma com determinações próprias e que não consideram as das demais, compondo uma infinidade de idas e vindas que só prejudicam a efetividade da preservação. São cada vez mais raros os empreendedores dispostos a arcar com todo o risco comercial inerente ao negócio e ainda com a insegurança das aprovações.
Soma-se a isso o fato de que a região central de cada cidade é onde se localiza a grande maioria dos imóveis e perímetros tombados. Com isso, a falta de ações efetivas de preservação do patrimônio histórico contribuem para o esvaziamento e degradação dos centros históricos de todo o país.
A capital maranhense é prova de que há caminhos interessantes a serem seguidos quando se vive o impasse sobre o que fazer com os espaços livres que, de ponto de encontro, se tornaram motivo de preocupação e dor de cabeça. Por meio do financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a prefeitura de São Luís acaba de concluir os projetos de revitalização da Praça da Saudade, Praça da Misericórdia e do Terminal Rodoviário da Avenida Vitorino Freire, todos coordenados pela Natureza Urbana para requalificar o centro histórico.
Essa parte da cidade foi tombada pelo Iphan em 1974 e inscrita como Patrimônio Mundial em 6 de dezembro de 1997. A arquitetura preservada retrata o modelo de cidade colonial portuguesa adaptada às condições climáticas brasileiras. O local apresenta influência portuguesa, espanhola, francesa e holandesa, e é marcado por casarões cobertos de azulejos lusitanos construídos nos séculos 18 e 19.
Um levantamento realizado pelo Observatório do Turismo em 2017 revelou que, em relação ao lazer, o interesse pelo patrimônio e cultura é o segundo maior atrativo da região para os turistas. Segundo estudo do IBGE publicado em 2018, o turismo desempenhou um papel chave no resultado que garantiu ao Maranhão a posição de estado do nordeste que apresentou maior crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no período analisado.
O projeto incluiu repensar completamente os espaços, propondo novos fluxos de pessoas e novos usos, piso e mobiliário, projeto paisagístico, implantação de equipamentos de esporte e lazer e, principalmente, a inserção dos pequenos empreendedores. De bancas de flores a quiosques, passando pelas food bikes, foi possível planejar e padronizar a atuação do comércio para que estivesse mais bem integrado e estruturado. Em um processo participativo, a população expressou sua visão e participou da coleta de informações e sugestões por meio da realização de oficinas. Equipes de assistentes sociais cadastraram empreendedores, que também participaram das escutas. Somente no entorno do Terminal Rodoviário, mais de 150 pequenos comerciantes foram diretamente beneficiados pelo projeto.
Na Praça da Misericórdia, a revitalização se mostrou tão bem-sucedida que motivou a requalificação dos imóveis vizinhos. Por iniciativa dos proprietários, eles receberam melhorias e pintura em consonância com a nova fase local, comprovando a tese de que as intervenções urbanas são uma poderosa ferramenta de transformação social.
Patrimônio histórico
Se cidades do mundo todo conseguiram repensar seu patrimônio histórico e com isso alavancar as receitas provenientes do turismo e fomentar a atividade econômica local, é difícil entender por que o Brasil ainda patina entre restrições que não consideram as dinâmicas urbanas contemporâneas. Pelo menos já podemos contar com exemplos que comprovam que há caminhos possíveis.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Sócio-fundador da Natureza Urbana. Arquiteto e urbanista com mais de 15 anos de experiência no Brasil e exterior, com ampla experiência no planejamento e projetos de grande escala nos âmbitos público e privado.