Uma visão sobre publicações federais e suas contribuições na construção de cidades inteligentes
Sempre que penso sobre cidades inteligentes, me questiono sobre as dimensões cultural, social, territorial e econômica das nossas cidades e o impacto de intervenções puramente tecnológicas nesses territórios tão diversos.
Há pouco tempo, li uma postagem de André Aragão Azevedo (Secretário de Estado para a Transição Digital no Ministério da Economia e da Transição Digital de Portugal) no LinkedIn que acabou culminando com as perspectivas que trago neste artigo. Falando sobre como o governo português vem tratando a questão da transformação digital, Azevedo disse que “Os cidadãos encontram-se em diversas fases de maturidade digital, a nossa missão é dar respostas para cada uma destas fases, criando pontes para a inclusão digital de toda a população”.
Dada a licença da interpretação, troquei o termo cidadãos por cidade e, enfim, uma nova máxima sobre inovação, tecnologia e cidade se descortinou. Falamos então de maturidade digital de cidadãos e de gestões públicas municipais que, por estarem em realidades tão diversas, têm necessidades específicas quanto a soluções de governança pública e serviços digitais, por exemplo.
E qual é o ponto de intersecção entre esse tema e cidades inteligentes? Não há, eles são nuances do mesmo conceito quando entendemos que cidades inteligentes devem ser aquelas onde o cidadão é fator determinante no processo de planejamento e nas práticas das políticas públicas.
Cidadão no centro do desenvolvimento.
Cidadão como foco é um princípio presente, mesmo que implicitamente, na elaboração de importantes documentos publicados recentemente pelo Governo Federal sobre esta temática. Falarei um pouco sobre duas perspectivas diversas, mas complementares: uma voltada para cidades e outra voltada para a gestão pública federal.
A Carta Brasileira para Cidades Inteligentes (2020) aponta que cidades inteligentes devem ser diversas e justas, respeitando e entendendo a complexidade espacial; conectadas e inovadoras, destacando que soluções inovadoras numa cidade inteligente são tanto sobre cultura, finanças, governança e pessoas quanto sobre tecnologia e dados; e vivas e para as pessoas, com os cidadãos no centro do desenvolvimento.
É uma peça que reúne um conjunto de conceitos, princípios e diretrizes a serem seguidos pelos municípios brasileiros com um olhar atento e interessado sobre o encontro de questões urbanas pertinentes e atuais, como o Estatuto das Cidades, com o momento da transformação digital em governos e na nossa vida cotidiana, destacando a importância do combate à exclusão digital, por exemplo. Cabe ressaltar a forma metodológica de elaboração desta carta, por meio da colaboração e representatividade social.
Publicações federais
Já a recente Lei Federal N° 14.129/2021, a Lei de Governo Digital, estabelece princípios, regras e instrumentos para o aumento da eficiência da administração pública, especialmente por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão. No momento de sua elaboração, muito foi falado sobre a extensão da validade jurídica desta Lei aos municípios brasileiros.
Considero uma vitória para a gestão pública municipal a não submissão legal aos preceitos instaurados por essa legislação. Obrigar nossas cidades a seguir tais princípios é desconsiderar a já falada diversidade econômica, social e territorial que nossos municípios vivem, e iniciar uma corrida pelo cumprimento legislativo apenas pro forme.
E o que esta Lei traz como perspectiva para as cidades inteligentes consideradas pela Carta Brasileira para Cidades Inteligentes? Aponta para caminhos da Transformação Digital da administração pública brasileira, servindo como elemento norteador aos demais entes federados, e realçando que sem a participação cidadã, seja na elaboração, na prestação do serviço e na avaliação do serviço já prestado, não há governo digital de fato.
Cidadão como foco
Em termos conceituais vemos que cidades inteligentes precedem governos digitais e para isso é preciso ter o cidadão como foco. Os conceitos, princípios e diretrizes para as cidades brasileiras se estabelecerem como cidades inteligentes já foram definidos, o que precisa ser estabelecido como políticas públicas efetivas são meios para tornar real a teoria na nossa enorme e rica diversidade, com elementos públicos de equidade, para que a transformação digital implícita nas cidades inteligentes não se torne um acelerador das desigualdades sociais.
As ideias e opiniões expressas no artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, as opiniões do Connected Smart Cities
Head de Relações Governamentais do Colab, com ações nas áreas de cidades inteligentes e inovação na gestão pública. Atuou como secretária do Gabinete de Governança da Prefeitura Maceió e presidente do Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, além de vice-presidente de Desenvolvimento Regional do Fórum Inova Cidades (Frente Nacional dos Prefeitos) e elaboração da Carta Brasileira para Cidades Inteligentes.