Essa não é a primeira vez que uma pandemia ameaça a vida nas cidades, mas é a primeira vez que usamos tecnologias digitais para lidar com uma doença em tão grande escala e de maneira tão coordenada
A pandemia causada pelo novo coronavírus nos lembrou que saúde pública – e, em última instância, a sobrevivência da espécie humana – é uma questão urbana. Na ausência de qualquer desastre dessa proporção durante as últimas décadas, essa ligação entre urbanismo e crises sanitárias, parecia vir desaparecendo gradualmente. Entretanto, a crise da COVID-19 nos fez refletir sobre as formas de pensar a cidade (inteligente) e seus limites para abordar a sustentabilidade da vida em toda a sua universalidade.
Essa não é a primeira vez que uma pandemia ameaça a vida nas cidades, mas pode-se dizer que é a primeira vez que usamos tecnologias digitais como big data, IoT, machine learning e inteligência artificial para lidar com uma doença em tão grande escala e de maneira tão coordenada. E, quando uma ameaça de tal proporção é vivenciada por tantas pessoas simultaneamente, fica evidente que a interdependência é algo que determina as nossas vidas.
Planejamento Urbano
Para falar de interdependência nesse contexto, é importante salientar duas questões. A primeira delas é que interdependência trata de pessoas. Levando isso para a questão da cidade inteligente, interdependência significa pensar formas de planejamento urbano e de desenvolvimento de sistemas inteligentes que ativem redes de colaboração e que, portanto, partam de abordagens de projeto abertos à participação. Isso nos leva à segunda questão.
A segunda questão, é que a noção de interdependência sugere que nenhuma vida se sustenta sozinha, sem o respeito a outras espécies ou sem o cuidado com nosso entorno. E essa questão implica em ir mais a fundo no conceito de desenvolvimento inteligente que temos explorado. Ela requer ir além do pensar o sistema em si e, igualmente, ir além da questão de posicionar o ser humano no centro das propostas. Requer desenvolver a percepção de partes não-humanas, menos presentes nos conceitos de cidade inteligente tradicionais.
O conceito de cidades mais que humanas, do inglês more-than-human cities, representa uma agenda de pesquisa que investiga e encoraja o desenvolvimento de novas abordagens metodológicas que ampliem o fazer urbano em direção a entendimentos mais complexos da coexistência humana com outros tipos de inteligência. Essa agenda vem sendo trazida para discussão em eventos acadêmicos importantes para o campo, como o Digital Cities, o Communities & Technologies e, mais recentemente, a Media Architecture Biennalle.
Cidades mais que humanas
A ideia de cidade mais que humana propõe que comunidades de especialistas apoiem não especialistas para criar e projetar sistemas inteligentes que respondam às questões urbanas que afetam as comunidades em um dado contexto e que se desenvolvam métodos, ferramentas, abordagens, plataformas etc. que permitam envolver diferentes comunidades, ambientes e outras inteligências no design de espaços urbanos híbridos.
Considerando que a incidência de doenças nas cidades está frequentemente correlacionada, entre outras coisas, com questões de desequilíbrio ecológico e desigualdade social, esse pode ser um dos caminhos para abrir espaço para outras vozes (humanas e não-humanas) na difícil tarefa de construir uma cidade multiespécie mais justa, saudável e segura para o mundo pós-pandêmico.
Autora: Laryssa Tarachucky, colaboradora do Laboratório de Cidades mais Inteligentes e Humanas (LabCHIS) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fundadora do grupo de pesquisa A Cidade e a Névoa, voltado ao estudo de mídias urbanas e do potencial de uso das plataformas para a criação de formas colaborativas de planejar e construir a cidade
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