Entre os temas abordados, o Secretário Vitor Menezes destaca o processo de implementação de novas tecnologias nas cidades, da privacidade dos dados, entrada do 5G no Brasil, entre outros pontos
Com a pandemia de Covid-19, a aceleração da transformação digital tem se mostrado impositiva até mesmo para as empresas com característica de atuação offline. O cenário não é diferente quando se trata do setor público, que tem buscado soluções para implementar políticas voltadas ao uso de novas tecnologias, onde se observa uma necessidade e urgência ainda maior no atual cenário.
Esses pontos vêm sendo debatidos com profundidade pelo Connected Smart Cities, por meio da série online Cidades Conectadas, que aborda O Papel da Tecnologia no combate ao Coronavírus e tem reunido gestores dos setores público e privado para tratar da transformação digital, tema de suma importância para a desburocratização e transparência dos serviços públicos, além de fundamental para o desenvolvimento do país.
Nesse cenário, o Portal CSC entrevistou com exclusividade o Secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Vitor Menezes.
Confira a seguir a íntegra da entrevista:
Levando em consideração que o Brasil ainda sofre com profundas desigualdades sociais, quais são as peculiaridades que o país apresenta no que diz respeito a implantação de novas tecnologias e como essas podem auxiliar no desenvolvimento socioeconômico do país?
Vitor Menezes: O Brasil é um país que ainda apresenta desigualdades sociais resultado de características históricas de desenvolvimento. Ao longo da nossa história, fomos percebendo que a formação das regionais foi se dando de maneira descoordenada e muito concentrada nos pólos produtores. Portanto, é notável as diferenças regionais no Brasil no que diz respeito a infraestruturas, sobretudo aquelas relacionadas à tecnologia, como redes de fibra ótica, redes de acesso a telecomunicações, oferta de serviços tecnológicos etc.
Isso tudo pode parecer muito ruim, mas se olharmos do ponto de vista adequado, pode ser uma grande oportunidade para que as transformações digitais ocorram de maneira extremamente rápida no Brasil. Já está comprovado que o uso de tecnologias pode ser uma alavanca para melhorar as condições de vida das pessoas nos centros urbanos, tanto ajudando a resolver esses desafios históricos quanto os desafios da modernidade. Só para citar alguns exemplos: soluções de tecnologia para gerar e distribuir energia em locais isolados; soluções que detectam o vazamento de água nos sistemas de distribuição; sistemas de gestão tributária nos municípios; telemedicina etc.
Como é possível integrar diferentes tecnologias, como IoT, Big Data e Cybersecurity, para tornar os serviços públicos mais eficientes?
Vitor Menezes: Esta é uma das características das cidades inteligentes: entregar serviços com maior eficiência para a população por meio do uso de tecnologias e soluções que podem ser utilizadas de forma integrada.
Um dos maiores desafios do gestor público moderno é resolver os problemas da cidade de maneira integrada. Não adianta ter câmeras de vigilância se essas não geram bancos de imagens que podem ser acessados pelas diferentes instâncias da segurança pública; não adianta ter internet nas Unidades de Saúde se os dados das consultas não forem guardados de maneira organizada e possam ser acessados pelos Estados e pela União. Nada será eficiente se não for integrado.
Sabemos que há ferramentas e indicadores para isso. No âmbito da Câmara de Cidades 4.0, estamos trabalhando em estabelecer parâmetros que vão interligar as soluções e tudo isso de maneira segura, evitando que os dados – o nosso recurso mais valioso – sejam utilizados de maneira ilícita.
Com o desenvolvimento de novas tecnologias, existe também um debate sobre como essas afetam a privacidade da vida dos cidadãos. Quais as medidas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações na implementação dessas ferramentas com o intuito de garantir o direito à privacidade?
Vitor Menezes: O Brasil já vem discutindo a privacidade e proteção de dados dos cidadãos há algum tempo. Nós temos, por exemplo, a Lei de Acesso à Informação de 2012, a qual é muito clara sobre a classificação de dados sensíveis no âmbito da administração pública. A Lei orienta também que os entes da federação criem comitês locais de classificação dessas informações sensíveis.
Além disso, temos o Marco Civil da Internet, que orienta o uso da internet no Brasil, sendo um dos pontos abordados pela lei a Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicações Privadas. Também não podemos deixar de mencionar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, de 2018, que, quando entrar em vigor, vai reforçar os direitos e deveres relativos ao tratamento dos dados individuais e da Administração pública.
No Programa Nacional de Cidades Inteligentes Sustentáveis, coordenado pelo MCTIC, planejamos elaborar recomendações para as cidades sobre como gerenciar essas questões de dados, questões que também serão abordadas na Carta Brasileira para Cidades Inteligentes, em elaboração pelo MDR. Por fim, é importante destacar que, no âmbito das cidades inteligentes, os governos municipais têm um papel fundamental na proteção e privacidade dos dados dos cidadãos. Ao elaborar as políticas locais de transformação digital, as gestões devem estar atentas sobre políticas e normas de uso responsável dos dados.
Com a integração de serviços públicos por meio de novas tecnologias, a tendência é existir cada vez mais maior transparência e desburocratização do governo. Como o MCTIC está articulando esses novos mecanismos para cidades mais transparentes?
Vitor Menezes: Estamos trabalhando em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Regional e com representantes de diversos setores da sociedade: indústria, academia, entidades representativas de municípios e cidadãos no âmbito da Câmara das Cidades 4.0, na elaboração do Programa de Cidades Inteligentes Sustentáveis. Uma das frentes de atuação é desenvolver uma modelo de maturidade para diagnosticar o nível de transformação digital e desenvolvimento urbano sustentável das cidades brasileiras. Neste modelo de maturidade, há indicadores, por exemplo, sobre a disponibilização de dados abertos e nível de transparência das gestões municipais, como uma forma de induzir as cidades a se preocuparem com essa questão.
Vale destacar também as ações da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, que vem provocando uma revolução nos serviços públicos no Brasil. Certamente, essas ações, que também têm foco na transparência governamental, serão muito úteis para o Programa em que estamos trabalhando.
Com as medidas de isolamento social devido à crise do coronavírus, nunca foi tão importante o desenvolvimento de plataformas ‘online’. A pandemia impulsionou diversos serviços públicos e cidades a adotarem novos mecanismos para garantir a funcionalidade pública meio a uma realidade de isolamento. Pensando nisso, é possível com que as cidades continuem utilizando essas plataformas e desenvolvendo novas mesmo após o fim da pandemia?
Vitor Menezes: A Transformação Digital é um caminho sem volta, e a pandemia só comprovou isso. Na verdade, a pandemia acabou por acelerar uma série de projetos voltados para a economia digital, que imaginávamos que só iriam ganhar força em alguns anos. Eu tenho absoluta certeza de que cada gestor público desse país está repensando suas ações, sua forma de trabalho, a maneira como controla o funcionamento do seu município, o seu mapeamento de riscos, a estrutura digital do seu governo. Por isso que acredito que o desenvolvimento das plataformas digitais tende a ter continuidade nos próximos dias.
Como o MCTIC está desenvolvendo a entrada do 5g no Brasil? Quais são os desafios para sua implementação e qual é a perspectiva na infraestrutura tecnológica do país com essa adoção?
Vitor Menezes: O MCTIC estabeleceu, por meio da Portaria nº 418, de 31 de janeiro de 2020, algumas diretrizes para o próximo leilão da tecnologia 5G no Brasil. Por meio desse documento, trouxemos uma série de medidas e orientações para a licitação das faixas de frequência, que será realizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
A Portaria estabelece que no leilão das faixas para a implantação do 5G, a Anatel deverá considerar: (i) o atendimento com banda larga móvel em tecnologia 4G ou superior para cidades, vilas, áreas urbanas isoladas e aglomerados rurais que possuam população superior a 600 habitantes; (ii) cobertura de rodovias federais com banda larga móvel; (iii) redes de transporte de alta velocidade, preferencialmente em fibra óptica, para municípios ainda não atendidos; e (iv) incentivo ao compartilhamento de infraestrutura ativa e passiva entre os prestadores, incluindo postes, torres, dutos e condutos;
O documento também aponta que a Anatel deverá definir prazos para a ativação dos serviços nas faixas licitadas que, se não atendidos, possibilitem o uso da faixa por terceiros interessados. Por fim, a Portaria define critérios para a proteção dos usuários que recebem sinais de TV aberta e gratuita por meio de antenas parabólicas na Banda C satelital, adjacente à faixa de 3,5 GHz.
Outros instrumentos relativos ao 5G estão sendo elaborados e deverão ser publicados no futuro.
E como essas novas tecnologias estão transformando as cidades brasileiras em cidades mais inteligentes?
Melhorando a qualidade de vida das pessoas, gerando riqueza e produzindo conhecimento. Por coincidência, essa é a missão institucional do MCTIC. Por isso, estamos tão empolgados com esse Programa para Cidades Inteligentes Sustentáveis, pois essas ações estão no nosso DNA.