Com dificuldade de acesso aos serviços básicos providos pelo Estado, moradores das mais de 13 mil comunidades carentes no Brasil buscam suas próprias soluções para conter o vírus e ajudar sua população
O mundo passa por uma crise sem precedentes que tem exposto problemas estruturais e exigido soluções imediatas dos gestores públicos, do setor privado, além da colaboração da população. No Brasil, a pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) trouxe à tona a desigualdade social e levantou uma questão ainda mais importante para a vida nas cidades: como conter o avanço do vírus e oferecer soluções à população das comunidades carentes?
Segundo levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)* divulgado no último dia 19 de maio, o Brasil possui 5.127.747 domicílios em aglomerados subnormais, conhecidos por várias denominações, de acordo com a região, como: favela, invasão, grota, baixada, comunidade, mocambo, palafita entre outros. A pesquisa apresenta também, as distâncias entre as comunidades e unidades de saúde.
Dos 13.151 aglomerados subnormais do País, somente 827 (6,29%) estavam a mais de cinco quilômetros de unidades de saúde com suporte de observação e internação. No entanto, a pesquisa não investigou se as unidades de saúde próximas de aglomerados possuem estrutura para atendimentos relacionados ao coronavírus.
AUSÊNCIA DO PODER PÚBLICO
Para o enfrentamento da COVID-19, é preciso considerar as características socioeconômicas e geográficas dessas áreas, como a falta ou o acesso limitado ao saneamento e à coleta de lixo, o custo dos produtos de higiene pessoal, o tipo de emprego (trabalho informal, subempregos, empregos com impossibilidade de se trabalhar de casa e vínculos empregatícios mais frágeis etc.).
Outro elemento a ser considerado é a natureza densa e/ou desordenada de boa parte dessas ocupações, o que limita a efetividade da recomendação de isolamento social para enfretamento à pandemia além de ser um limitador de acesso de ambulâncias para casos de maior gravidade. “Os problemas expostos pela pandemia são sistêmicos e integrados. A falta de saneamento impacta diretamente no aumento da mortalidade e as comunidades só existem pela falta de moradia. Estamos lidando com muitos problemas simultâneos em comunidades onde já existe uma ausência muito grande do poder público” comenta o CEO da Urban Systems, Thomaz Assumpção.
Segundo Assumpção, a pandemia deverá acelerar o processo de urbanização e auxílio do poder público à população das comunidades carentes. “Precisamos lembrar também que a escassez de moradia se alastra pelo País e já inicia a criação de comunidades não apenas nas grandes metrópoles. Essas, precisam ser integradas ao desenvolvimento urbano e o poder público precisa, em vez de negar, oferecer um plano de ajuda e urbanização delas para atender esses problemas”, explica.
BUSCANDO AS PRÓPRIAS SOLUÇÕES
Enquanto o auxílio mais efetivo do Estado não vem, os próprios moradores das comunidades se mobilizam na busca de soluções. No último dia 24 de abril, o portal de notícias Ecoa, do grupo UOL * reuniu quatro lideranças comunitárias para o debate ao vivo: “Enfrentamento do coronavírus nas favelas brasileiras”, mediado pela escritora e pesquisadora Bianca Santana, colunista do canal. Os entrevistados deram exemplos de como a população de favelas e periferias está se organizando, se informando e criando soluções para poder se alimentar, higienizar e se isolar do coronavírus.
Participaram da conversa, Anna Karla Pereira, cofundadora da Frente Favela Brasil; Christiane Teixeira, líder comunitária de Coroadinho (MA); Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis (SP) e Isabela Souza, diretora do Observatório das Favelas, que destacaram o fortalecimento de processos comunitários. “Se álcool gel não é uma realidade aqui, então a gente distribui garrafas pet com água e sabão para as pessoas”, disse Anna Karla Pereira, cofundadora da Frente Favela Brasil, organização com atuação a partir das favelas do Coque e Ibura, na capital no Recife (PE).
Outro exemplo vem de Paraisópolis, em São Paulo (SP), onde três ambulâncias foram alugadas (a um custo diário de R$ 5.000) para poder dar conta da demanda não atendida pelo setor público. Já Isabela Souza, nascida e criada na favela da Maré no Rio de Janeiro (RJ) e atualmente diretora do Observatório de Favelas, explica que a organização mantém conversas diárias com especialistas para buscar soluções pensando na perspectiva da periferia. “Na medida em que uma favela chega a ser uma cidade, por mais que as comunidades busquem e se empenhem em soluções importantes, não só em tempos de pandemia, mas com projetos voltados à arte e ao esporte, sem uma intervenção externa não é possível resolver todos esses problemas. Portanto é necessário um esforço conjunto do poder público, com auxílio do privado, para acelerar a urbanização e inclusão dessas comunidades na vida das cidades”, finaliza Assumpção.
Fontes: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ; “Enfrentamento do coronavírus nas favelas brasileiras” – Ecoa/UOL